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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

Vivemos a banalidade da morte!

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A morte faz parte da vida. Ela toca-nos sempre quando alguém, que faz parte de nós, rasga o tempo e faz o silêncio nascer na ausência do quotidiano. Depois, escrevemos a palavra saudade no chão que pisamos, os nossos passos percorrem a distância que vai entre os sorrisos e as palavras, que ficam inscritas na memória e no esquecimento do futuro.

Sim, a morte faz parte da vida. Nascemos para viver e morrer. E, um dia, ficamos na eternidade do silêncio que se faz infinito.

Ontem partiu um amigo. Um destes dias outro amigo partiu. E outro, mais além. A malta do tempo que sou, este tempo que vivo, vai partindo, e, fico a olhar o futuro à espera desse silêncio por nascer.

Dou comigo a pensar na morte, não nessa morte inevitável que todos vivemos, essa que espera confortavelmente, escondida no tempo que um dia abraçamos. Talvez, por essa razão, Montaigne escrevia que a sabedoria é aprender a não ter medo de morrer.

 

Ontem, olhando o sol, ao fim do dia, senti o meu pensamento voar, como se fora levado nas ondas do Tejo, pensava na morte, não nessa morte vivida, que todos sabemos existir. Pensava nessa morte que mata, essa que nos entra em casa, a toda hora, em todos os instantes, ora resultado de catástrofes naturais, ora resultado de catástrofes humanas.

Tudo isso que dói e faz nascer a indiferença à morte.

Vivemos a banalidade da morte.

É isso, sinto cada vez mais, que vivemos um tempo de banalidades, de efémeros, do tudo que se dilui no tempo silenciosamente, até a morte.

 

A pandemia fechou-nos em casa, aplaudimos a vida das varandas, chorámos a morte na solidão. Os números eram, de dia para dia, cada vez mais números, só números. A humanidade contabilizada em partidas sem adeus.

As lágrimas ficavam encerradas em rios de saudade, partidas inesperadas, sem viver o conforto da palavra amizade e solidária.

O até sempre amor, amigo, irmão, companheiro, pai, tio, primo, avó, avô, que ficava sepultado no silêncio do vazio, esse vazio, doído, que enchia as ruas das cidades.

A pandemia fez-nos sentir a morte por dentro do ar que respiramos e sentir ao nosso lado o outro lado da vida, principalmente, quando vivemos momentos amargos nos dias de coma e solidão, aguentando a dor e agarrando a vida até ao grito de esperança que nascia nos ossos.

A morte banalizou-se. Triste. Silenciosa.

Depois, começámos a recuperar a luz. O arco iris nasceu suavemente. Imaginámos no horizonte a fraternidade. Acreditámos que a pandemia era uma lição, abria portas a outros tempos e ajudava a fazer humanidade mais humana.

 

Entre a pandemia, as crises financeiras, as bolhas do imobiliário, as contas certas da troika, que também mataram a vida e a dignidade, que é outra forma de morrer. Essa foi uma morte que matou em números ignorados.

O tempo esse eterno senhor que tudo esclarece, foi derretendo a esperança.

 

E, de repente, como coisa que cintila no tempo, cá estamos de novo com a morte a entrar na nossa vida. Todos os dias. Cirúrgica, a rasgar os olhos que são a porta que se abre para levar o mundo para dentro do nosso coração.

A Guerra da Ucrânia. A Guerra na Palestina. As mortes no Mediterrâneo. A morte inscreve-se na vida.

É isto, afinal, é mesmo isto, vivemos um tempo de banalidade da morte. Uma morte inscrita na história da humanidade. Uma história que se escreve ambição. Uma história que se escreve em nome de uma fé que se quer fazer razão.

A história da humanidade que ao longo de séculos matou em nome da fé, matou em nome da razão.

O poder. O território. A propriedade. O dinheiro. A inveja.

 

A banalidade da morte dói nos nervos, dói no cinismo, dói na indiferença…resta-nos acreditar que o futuro, talvez, um dia possa ser escrito com a palavra Dignidade!

 

António Sousa Pereira

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