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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

Centenário do nascimento de Augusto Cabrita Do amor, do belo e do…sorriso

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Fui hoje, dia que assinala o centenário do nascimento do Mestre Augusto Cabrita, convidado para conversar com mais de uma centena de alunos do 12º ano da Escola Secundária Augusto Cabrita.
Não sou fotógrafo. Não sou cineasta. Não percebo nada de fotografia, nem de cinema. Por essa razão, interroguei-me sobre que hei-de falar.
 
Tomei a opção de falar sobre o homem que conheci, de quem guardo momento de ternura únicos, inscritos na minha memória.
Por essa razão, falei do homem que conheci, com quen passei instantes da vida, momentos que permitem sentir a palavra dignidade, amizade ou simplicidade.
Disse aos jovens, que, neste centenário para além de se falar da obra, da sua actividade no mundo da fotografia e do cinema, talvez, fosse importante darmos um contributo para conhecer o pensamento, o homem, o cidadão.
 
Afinal será darmos a conhecer aquela pessoa que eu senti, na vida real pura e dura, que unia a forma de pensar, com aquilo que dizia e aquilo que fazia. Isto é que é lindo.
Isto é viver, fazendo o que se gosta, sentindo o que se faz, amando com o que se transporta pelo olhar para dentro do coração. Isto é harmonia.
 
Foi com o Mestre Augusto Cabrita que na minha ingenuidade e aprendizagem de vida, porque a vida é uma constante aprendizagem, aprendi a abraçar com os olhos o quotidiano.
O Mestre Augusto Cabrita afirmava e nunca mais esqueci esta frase: “A beleza existe, de facto, em toda a parte, a dificuldade é saber encontra-la”.
Foi neste pensamento que comecei a sentir a importância de encontrar a beleza nos meus dias, desbravando os pormenores, os recantos, os contrastes, os silêncios – a luz e a sombra. O preto e branco.
 
A beleza da vida está na nossa frente, o belo é nós captarmos essa beleza com o nosso olhar, com o nosso ouvir e transportar essa realidade para dentro dos nossos nervos e semeá-la no coração. Isto é amar a vida. O Mestre Augusto Cabrita amava a vida, cultivava o amor e amizade. O respeito pelo outro. Ele sabia que o seu eu, se transformava num tu, pela partilha, pelo respeito. E nesse abraço construía o nós – a sua rua, o seu bairro, o seu Barreiro e as suas gentes.
 
O Mestre Augusto Cabrita, afirmava: “O prólogo da minha volta de todos os dias é exercitar o olhar através da janela do meu quarto. Sinto que já ganhei o mais belo prémio do mundo: Tenho o Tejo à minha frente”.
Sim, o Tejo. O Tejo é central no pensar e sentir a vida na obra de Mestre Augusto Cabrita. O Tejo é o seu olhar sobre a paisagem. Ele deu um contributo essencial para ligar a cidade ao rio. Amava as zonas ribeirinhas do Rio Coina, do Rio Tejo, do Rio Judeu, no Seixal. O Tejo é para ele um importante património natural e cultural.
 
Pelo Tejo, como dizia Fernando Pessoa – “vai-se para o mundo” e no Tejo está tudo o que lá não está, a memória das naus.
Por isso, o poeta sublinhava que gostava mais do rio da sua aldeia, porque quem está ao pé dele, está só ao pé dele.
E dei comigo a pensar, que quando estou sentado junto ao Tejo – a que chamo a minha Catedral, naquele lugar que se identifica como Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita – sei que pelo Tejo vai-se para o mundo, mas, quando por ali estou sentado, nas suas margens, sinto que este é “o rio da minha aldeia”, sinto que quem está ali, sentado, naquele silêncio, está ao pé dele, só ao pé dele, por isso o Tejo é lindo, só o sente quem sente a energia das suas ondas e da sua cor. O Mestre Augusto Cabrita sentia essa energia.
 
E, também, ali nas margens do Tejo, ele sentia o ritmo e a vida a deitar seus olhos no voo suave e terno das gaivotas, no seu deslizar, na sua fluidez silenciosa de movimentos.
A gaivota que o Mestre Augusto Cabrita adorava, era um símbolo de sensação de liberdade, de ternura, de cântico. Aquele canto de Zeca Afonso – “só há gaivotas em terra quando um homem se põe a pensar”.
O Mestre Augusto cabrita era um poeta da fotografia. Era um filosofo da fotografia. Ele pensava a vida com a sua máquina fotográfica. Ele escrevia poemas com a sua máquina fotográfica. Ele captava o ritmo, aquele que se sente no voo de uma gaivota, que se sente uma beleza perene e única.
 
É preciso pensar e sentir, quando os nossos olhos viajam com o voo de uma gaivota, sentimos a emoção de uma energia que se diz Liberdade, que toca os olhos e desce até ao coração.
O Mestre Augusto Cabrita ensinou-me a pensar com a luz, a luz que ele descobria na natureza: “O mais belo projector é o sol”, afirmava.
 
Um dia sentado com ele a conversar em Alburrica, de repente levantou-se e disse, - “é agora” - começou a registar o instante, quando a luz solar abriu o esplendor de Alburrica que ele serenamente aguardava. Captou o instante. Aprisionou a luz.
“A fotografia é a emoção petrificada no momento” era o seu conceito de fotografia.
 
O Mestre Augusto Cabrita descobria, pelas imagens, os sons escondidos no silêncio da paisagem. O som que é o outro lado do silêncio. As suas fotografias fazem sentir o silêncio das paisagens e dos rostos humanos.
Ao olharmos uma fotografia do Mestre Augusto Cabrita, temos que ser capazes de desocultar a melodia que está nos seus contornos. Ler o que está por trás daquilo que vemos.
 
Sim, estamos a comemorar o centenário do nascimento do Mestre Augusto Cabrita, e devíamos falar da sua obra, mas também dar a conhecer o homem – o homem que vivia fazendo o que gostava. Que viva com amor pela vida, com paixão pelo belo e sempre com um sorriso de ternura no coração.
 
Um homem com ética que tinha uma grande alegria de viver, que dava sem esperar nada em troca. Um homem integro de grande humanismo, respeitador das diferenças e dos valores que herdou da sua terra, a terra que vivia de relações de vizinhança, de uma cultura de fábrica, da sua família, do seu lugar camarro. Uma terra solidária.
 
Um homem que humanizou a fotografia, com equilíbrio e harmonia, unindo pensar, falar e ser. Ética.
Um homem que abraça a beleza da vida, com uma dimensão estética que começava no pulsar do seu coração a abraçar o belo com aa seus olhos.
 
O seu legado, o seu espólio era merecedor de uma Casa Centro Interpretativo, dar a conhecer o homem e a obra, de forma a colocar o Barreiro na Rota Mundial da Fotografia
 
Pensar o Mestre Augusto cabrita é pensar o belo, é pensar a luz, é pensar a paisagem, os rostos humanos, a natureza…o tejo e a gaivota. O nosso património natural e cultural.
O Mestre Augusto Cabrita viveu e partiu com um sorriso. Amou o Barreiro. Viveu abraçando a vida.
Quando falamos do Mestre Augusto Cabrita devemos recordá-lo com as palavras: Dignidade, Criatividade, Simplicidade, Amizade e Humanidade.
Uma vida indissociável da cultura da sua terra: Barreiro.
 
O meu voto é que todos vocês, um dia, no futuro, sintam orgulho de recordar a vossa escola e sentir no coração a memória do Mestre Augusto Cabrita.
“Eu fui aluno da Escola Augusto Cabrita”, afirmem com orgulho.
Obrigado pelo convite de estar aqui neste dia que se assinala o centenário do seu nascimento.
 
António Sousa Pereira
Escola Augusto Cabrita
Barreiro – 16 de março de 2023

Postais do Quotidiano – Barreiro Quase um mês depois e os passeios por arranjar

 

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No principio do mês de fevereiro registou-se uma ruptura na rede de abastecimento de água do Lavradio, e, naturalmente, para resolução dos problemas originaram  foram necessárias intervenções na via pública. Até aqui tudo bem. Mas passadas mais de três semanas o facto é que os passeios continuam por arranjar.

Uma intervenção desta natureza obrigava, obviamente, que após a resolução do problema da ruptura de água, fossem tomadas as indispensáveis medidas para repor os passeios e os arranjos na via pública.

As obras aconteceram na Avenida J.J. Fernandes, em pleno centro do Lavradio, uma artéria por onde circulam diariamente pessoas idosas e crianças.

Na proximidade de equipamentos sociais, como é o caso da SFAL, ou de uma empresa de Análises Clinicas.

Pessoalmente, já assisti a situações que podia, ter sido penosas, até um carro, por mero caso, e, por um grito de alerta um transeunte, não embateu numa das pedras por ali espalhadas.

Fica pois, aqui, este registo e o apelo a quem de direito no sentido de serem tomadas as medidas  necessárias para que este assunto não se arraste no tempo.

Obrigado! 

 

António Sousa Pereira

A propósito de um coração verde marejado de estrelas…

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Hoje é o dia de papoilas, searas, flores, palavras encantadas e vivas, aquelas que fazem nascer a centelha de esperança nos olhos, e, nelas, ainda conseguimos sentir a palavra amor inscrever-se para além dos gestos do quotidiano e das rotinas que escravizam a memória.
 
Hoje o céu está azul, límpido, os raios de sol ondulantes escrevem palavras de ternura na paisagem e, imaginem, o meu dia amanheceu com um coração verde marejado de estrelas cintilantes e um beijo a tocar os nervos.
Hoje é o dia de pensar as palavras, nelas inscrever o tempo, sentar-me a olhar o céu azul, viajar na seara dos raios de sol e viver, viver plenamente este tempo, com todas as palavras que nascem no silêncio, esse lugar, onde está tudo o que sou, tudo o que vivo, e tudo que descobrimos no caminho da vida vivida.
 
Afinal, tudo o que somos nasce num instante de silêncio e em silêncio um dia se transforma.
O belo da vida é sentirmos que todos os silêncios e todos os ruídos, ao longo do tempo, permanecem vivos e puros, no nosso recanto onde somos com os outros, porque nunca o nosso silêncio é solitário, nem o ruído se desfaz na energia do pulsar da solidão do nosso sangue.
 
O belo do silêncio é acordarmos, olharmos o céu límpido, e vermos que, hoje, ainda lá está o pássaro azul que escreve a palavra amor pela madrugada.
Afinal, este é o dia de acreditar que a palavra amor nunca será riscada da memória, nem dita ou sentida, com a energia dos olhos e dos nervos, nem sequer algum dia, será reinventada, por uma qualquer inteligência artificial, que faz da vida um tempo que vive do faz de conta, do parece que, do talvez…porque a palavra amor quando se escreve com o coração fica inscrita eternamente no coração. Amor. Amizade. Fraternidade.
 
É por isso, que, neste dia, que para mim, nasceu com um coração verde marejado de estrelas cintilantes de esperança, escrevo para ti estas palavras, porque tu, sabes os meus segredos, todos os meus segredos, e, conheces por dentro os meus silêncios. Tu nasceste um dia num beijo que te dei através do silêncio dos meus olhos, e, ainda hoje, nestes tempos da inteligência artificial, nestes tempos do faz de conta, nestes tempos marcado pela gestão de emoções, nós, tu e eu, continuamos a namorar, a gritar, a embirrar, a beijar, a olhar o céu azul de mãos dadas, porque, na vida, foi na vida, descobrimos que o amor não se inventa e não se limita a nervos ou emoção.
 
O amor é o silêncio que beijamos no coração, é o grito que toca os nervos, é o caminho vivido em todos os instantes, é compreender, é soletrar com os olhos o tempo, todo o tempo – do mar, das searas, das cidades, da revolução, dos sonhos, das sementes, dos sabores, dos cheiros, do luar, da neve, da serra, das flores, sim das flores. Um tempo que não se inventa, vive-se. E tu sabes, eu sei que tu sabes, como é lindo amar por dentro dos olhos e na beleza do silêncio. Tudo o resto são circunstâncias.
 
António Sousa Pereira
 
 
 
 

Teatro Projéctor levou a cena «O Quadrado de F.» Diálogo intenso entre a energia das palavras e os movimentos do corpo

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No sábado, o Grupo de Teatro Projéctor levou a cena a sua 42ª produção, a peça «O Quadrado de F.», de Filipa Leal, com encenação de Abílio Apolinário.

Uma peça que nos prende às palavras, que nos motiva a desocultar conceitos, uma peça onde sentimos o diálogo que se estabelece entre os movimentos do corpo e a energia das palavras.

Quero começar por dar os parabéns pelo salto qualitativo que encontrei na sala de espectáculos do Teatro Projéctor, desde o dia que lá estive na sua inauguração.

O auditório melhorou fruto da dedicação, empenho, voluntariado, e, pelo muito amor ao teatro e à cultura da associação cultural Teatro Projéctor, que, na verdade, está apostada em transformar a antiga escola primária da Rua Professor Joaquim Vicente França, num espaço vivo de criatividade na vida da cidade do Barreiro.

 

Em julho de 2022, estreou naquele espaço cénico a 41ª produção do Teatro Projéctor - «De lá para aqui» - com textos de Gil Vicente e encenação de Abílio Apolinário, uma peça que contou com uma brilhante interpretação de Luciano Barata, que, em palco, arrancou do seu coração toda a energia que faz do actor um criador de emoções e de humanismo. Na altura, por diversos acasos, não escrevi sobre este trabalho, e, hoje, não quero iniciar estas notas sem este registo.

Aquela peça - «De lá para aqui» - proporcionou um Gil Vicente que veio ao encontro dos dias de hoje, dos temas da actualidade, num trabalho feito com a harmonia e beleza. Digo, foi um esplêndido pontapé de saída para a inauguração do Auditório de Teatro Projéctor. Uma peça que teve a brilhante encenação de Abílio apolinário. Uma peça que anunciava o recomeço de um novo ciclo de vida e de sonhos na arte de criar e dar vida ao espaço e ao tempo.

Feita esta nota de «mea culpa«, falemos então desta 42ª produção do Teatro Projéctor.      

 

A peça «O Quadrado de F.», refere o programa, é o primeiro livro de teatro de Filipa Leal, que integra quatro peças diferentes e inéditas. São elas: “Morrer na Praia”, “A Cama de Gato”, “À Espera de Samuel” e “O Quadrado de F.”. A peça conta com a excelente interpretação de Anabela Pereira e Elsa Assunção.

O texto numa peça de teatro é a semente, que faz nascer em flor a criatividade do encenador, e, proporciona a quem interpreta usar a sua sensibilidade e através dela dar vida aos personagens e, assim, fazer nascer o fruto.

Na peça «O Quadrado de F.», o texto tem uma força avassaladora, é exigente, para o encenador, paras as actrizes e para o público. Esta é uma peça onde o texto é central, é um texto que se realiza em palco, que se faz teatro, que se faz arte, que se faz beleza, que se faz memória e que se faz vida.

Esta peça exige das duas actrizes que sintam o texto com o coração, que vivam por dentro do texto, que arranquem das entranhas as palavras, que façam o espectador sentir cada adjectivo, cada substantivo, cada conceito, dando vida às palavras.

Anabela Pereira e Elsa Assunção estão excelentes. São interpretações de qualidade, e, acredito, à medida que a peça for entrando nos ossos, as duas actrizes vão dar mais, muito mais, força e, paulatinamente, fazer as personagens saltar por dentro dos nervos. Está lá tudo, a perfeita dicção, a sobriedade da compreensão do texto, a emoção da sensibilidade nos rostos, o ritmo e o pulsar do corpo. Ambas vivem de forma viva as personagens que nascem nas palavras, que brotam puras no contexto cénico.

Há momentos na peça que apetecia dizer – parem – e, fixar o instante, fixar a beleza do quadro, fotografar, e sentir a energia da contraluz, do preto e branco das situações a nascer na criatividade da encenação. A peça tem um ritmo de preto e branco. A peça tem um ritmo de luz e sombras. A peça tem um ritmo de sons e silêncios.

 

Esta é uma peça que nasce por dentro do cérebro, viaja por dentro do cérebro – mente, a consciência, a alma – o que quiserem é uma peça que toca os neurónios, que beija o hipotálamo, que se move pelas cicatrizes da memória, que nos faz mergulhar na infância, que toca os silêncios dos tempos que todos vivemos, na procura do amor ou da amizade e de nós mesmos. Nós e os outros. Eu e  Tu.  

 

O texto é bem interpretado e nessa interpretação a energia das palavras dançam e dialogam com os  movimentos  corpo   – o amor que para uns é sexo, o tocar, o beijar, o sentir o corpo e os lábios. Ou amor que é a espera do Príncipe encantado. O poeta. As metamorfoses kafkianas. O quadrado do círculo. As prisões da consciência ou de ausência de consciência. O comunicar, ou não.

Uma peça queque toca as paixões, as psicoses, as neuroses, que nos faz mergulhar até à porta da loucura. Uma peça da psicologia, ou da psiquiatria. Ou, talvez, apenas, uma peça que nos faz pensar e sentir a importância da comunicação, ou da ausência de comunicação, nas relações humanas.

Um peça que nos motiva revisitar a criança que temos dentro de nós, o silêncio, ou os nossos silêncios, esses recantos que nos empurram para a nossa interioridade, para o nosso eu, o nosso tu, ou o nosso nós. Uma peça que nos faz rir com a solidão, a loucura, e, viajar entre o absurdo e a ironia da vida.    

Uma peça que nos faz sentir a beleza e a ternura de ter um ombro onde encostar o rosto e sentir o pulsar do coração. O lugar de ternura dos sonhos. O brilho dos olhos.

Uma peça com beleza plástica feita de simplicidade, quer da encenação, quer na musicalidade bethoviana, a luz, as sombras. Tudo faz sentido. Uma peça com duas actrizes brilhantes a encher o placo da palavra Mulher, actrizes que dão força ao texto, vivendo com ritmo, um ritmo que se faz num diálogo permanente entre a força das palavras e os movimentos do corpo.

O diálogo entre o psicológico e o físico, entre o corpo e a mente. O ser humano na sua plenitude.

Um espectáculo feito com autenticidade, vivido com autenticidade, num tempo marcado por clichés, vazios, e, tanta espuma que desfaz na penumbra dos dias.

 

António Sousa Pereira

Antigamente, costumava dizer-se…lá isso é

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O tempo passa, desfaz-se, desenleia-se, corre na frente dos nossos olhos, deixamos que ele deslize por dentro dos nervos, sofregamente, por vezes, sem o saborear, sentir o seu silêncio. Tranquilamente.
O tempo, sim o tempo. Essa neblina que esconde o esquecimento. A vida é o tempo que colocamos no coração. Tudo o resto são resíduos.
 
Olhamos para trás, e, nos olhos sentimos essa vertigem de um tempo percorrido, um abismo. Olhamos, como quem observa do cimo de uma montanha, toda a paisagem percorrida, e os olhos vagueiam no horizonte, lá longe, muito longe, num tempo inexistente, que apenas resiste na penumbra do nosso tempo perene – a memória.
 
A vida é feita de ciclos, há, também quem diga que a vida é feita de acasos, circunstâncias, e, até, de sucessivas rotinas, hábitos, repetições que se repetem, clichés, eternizando essa viagem, que é linda, de busca de sentido ao sentido que a vida tem, esse que é único. O tempo.
 
Ah, é verdade, passaram 14 anos. A correr. Neste dia, 1 de Fevereiro de 2009, fechei um ciclo e comecei a viver esta minha actualidade de não ter horários. Um direito que se obtém depois de cumprir deveres. Cumpri.
Nestes anos, vivi, por dentro, acontecimentos que sei estão, desde já, inscritos na história da humanidade e do meu país. Quando sentimos que estamos dentro da história que está a acontecer, devemos viver intensamente a história, nós também somos protagonistas.
 
Olho para trás e recordo os anos da crise financeira, lá por 2008, que anunciaram os PEC’s, PEC 1, PEC 2, PEC 3, e PEC final. Aqui começaram os primeiros cortes anunciados. E quando pensávamos que as coisas estavam a acalmar, desaba sobre a vida de todo nós a troika, no ano 2010. Lá vivemos aquela história, repetida dos clichés dos bons e maus. E ficou vincada nos nervos do cérebro aquela frase: Ai aguenta, aguenta!
 
Seguiu-se, em 2014, a festa anunciada como um novo 1640, e, vai daí, quando parecia que as coisas, mesmo com todos os cortes, alguns que nunca mais ressuscitaram, em em 2019, lá ficamos envolvidos noutra aventura – pandemia do COVID 19. Uma experiência que nunca iremos esquecer, que nos gerou ansiedade, lágrimas, solidão, que fez sentir a força de ser vizinho, de aprendermos a olhar o outro – olhos nos olhos. Redescobrirmos a força da humanidade. Estamos juntos. Vamos juntos.
 
E, por fim, em 2022, passada a pandemia veio a Guerra da Ucrânia. A Rússia. Os EUA. A China. A Europa. A geoestratégia. O Capital financeiro. A energia. O poder. A morte. A desumanidade.
Cá estamos…14 anos depois, continuando a aprender com a vida. Descobrindo. Redescobrindo.
 
E, hoje, neste final de noite, deitei-me sobre as palavras para recordar, por dentro dos sons, a vida, a vida que é um ciclo, e, afinal, em todos os ciclos da vida está anunciado o novo ciclo. Sim, o difícil é descobrir. Mas que o novo ciclo está presente, bem presente, a pulsar nos dias, la isso está, antigamente, costumava dizer-se…lá isso é. Coisas de velhos de cabelos brancos.
Pois, a história é feita de ciclos. Não aprenderam isso, nunca aprendem, principalmente, todos aqueles que o poder...sufoca o pensamento.
Divirtam-se.
 
António Sousa Pereira

Se tudo fosse tão simples assim…

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O sol está escondido, deitado por trás das sombras, que brilham em silêncio, rasgando os meus olhos, nesta tarde de janeiro, fria, fria, tão fria, como está o meu coração. Silencioso.

Imagino que acenas de lá, nas asas daquele pássaro que reluz no sol, com um poema, escrito ALGURES NO TEMPO, isso que somos, isso que faz as nossas vidas. MOMENTOS.
POR UM INSTANTE, imagino-te a declamar um poema, nesta tarde, feita de palavras, PEDAÇOS DE ESCRITA, sufocadas na garganta. Parece que a vida, afinal, é, ou não é, pensamentos CEM SENTIDOS. Olho o sol escondido. Vejo-te sorrir.
Escrevo estas palavras, para ti, e penso: SE FOSSE TÃO SIMPLES ASSIM!

Foi tudo tão rápido, inesperado, triste. Em 30 de Setembro, conversámos, via chat, e, fomos estando ligados. Como vai isso Kamarada?, perguntava. Kamarada, com Kapa, como era o hábito, entre nós.
Tu respondias: Estou no início do maior desafio da minha vida. Doeu. E silenciei.
Fomos trocando mensagens, pontuais. Conversa entre nós dois.
“Não deites a toalha ao chão. Grita. Arriba.”, dizia-te.
“Estou a tentar meu amigo.”, respondias.
A última vez que comunicaste foi a 22 de dezembro, a tua resposta foi apenas: abraço.
É esse abraço que te dou hoje, neste dia 14 de janeiro, estejas lá onde estiveres, tenho a certeza que estás a voar, sorrindo, entre poemas, naquele raio de sol que vi a brilhar nesta tarde fria.

Foste das primeiras pessoas com quem partilhei os meus dias quando vim para esta terra. Foi na Comissão de Redacção dos Jogos Juvenis do Barreiro. Nesses dias, que escrevíamos no «Continuando», o boletim do JJB, que tinha este título como provocação, porque a PIDE editava uma revista que era «Continuidade». Conversámos tantas vezes. O amor ao fazer vida, na vila operária.
Esses dias, antes de Abril acontecer e, onde, sabes, a palavra amizade começava a escrever-se num olhar, num simples olhar de cumplicidade. Ficamos amigos. Cada um seguiu pela sua vida. Encontramo-nos várias vezes. Ou, no Futebol Clube Barreirense, onde também fui da Direcção. Ou em entrevistas, quando eras dirigente da PERSONA. Ou nas noites de tertúlia na Associação Civica, quando exerci a função de Director do Jornal do Barreiro. Encontramo-nos na Câmara Municipal do Barreiro, quando foste vereador, e, eu, funcionário público.

Como estás Kamarada, com kapa?, era sempre o nosso cumprimento.
Um dia convidaste-me para beber um café, para conversar. Levavas contigo um conjunto de originais, para eu ler. Trazias um desafio.
“Gostava que apresentasses o meu primeiro livro de poemas?”, disseste. Fiquei surpreendido, porque, tu, tinhas sido, para mim, um Mestre, uma referência, nestas coisas da escrita e do jornalismo.
Aceitei o desafio e com muita honra escrevi o texto prefácio e apresentei o teu primeiro livro de poemas, com o Manuel Alpalhão a declamar de forma brilhante, E, eu, entusiasmado, a falar de Pessoa e nos “eus” das emoções dos teus poemas.
A escrita estava dentro dos teus nervos, fluía, nascia como flores num jardim, ora em livros de contos, ora em poemas ou pensamentos.
Fomos conversando em jantares de Tertúlias. A palavra estava inscrita no nosso sangue. Unia-nos.
Escrevias as tuas crónicas no jornal Rostos e telefonavas. Ficávamos a conversar sobre os temas, os contextos. A cidadania. A cidade.
Sempre que editavas um novo livro, ligavas a marcar um café, para conversarmos e oferecias-me um exemplar, com dedicatórias de carinho e amizade – essa amizade de 50 anos. Eu lia os teus poemas. Tu sorrias.

Hoje, quando li as palavras da tua filha Ana, viajei perdido, algures pelo tempo, e, por um instante, vivi no meu pensamento muitos momentos, da vida que partilhámos, e, de tudo isso faz, estes pedaços de escrita, para te dizer : Até sempre! Obrigado pela tua amizade!

Olho a rua. A noite desce na cidade. Penso ir dar-te um poema nesta hora da partida.
Se tudo fosse tão simples assim…esta lágrima, que teima em beijar a noite, não descia no meu rosto.

António Sousa Pereira

Fotografia - Na SDUB «Os Franceses», em abril de 2022, no dia que decorreu o ROSTOS VIVO. Tu, eu e o Francisco Naia.

No dia que calarem as vozes

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No dia que calarem as vozes que não se calam, porque são vozes que nascem no calor da paixão pela vida, pelo amor que cativa os nervos, nesse dia, quando as vozes forem apenas as vozes que se escutam a si mesmas, ficará o silêncio, ou, talvez a solidão, esses lugares, onde nasce a palavra saudade. A palavra do meu país. O meu país ausente.
 
Sim, a saudade é a ausência de vozes que partilham as emoções e beijam os olhos.
A saudade é a tristeza de amor ausente, a mágoa da alegria hibernada nos olhos.
A saudade é a distância de sons que ficam a navegar, no outro lado do mar, nesse infinito que emerge do futuro.
 
No dia que calarem as vozes que cantam, ficará o silêncio, deitado na planície e no meu coração ficará uma seara de palavras que, acreditem, vai manter-se como voz que canta a Liberdade.
A Liberdade, essa energia, que rima com vozes, muitas vozes que cantam, de braço dado, em coro, polifonicamente, nas searas e no mar.
 
A Liberdade livre, tão livre, tão livre, que se deita no vento…e faz o sol respirar a ternura do amor.
No dia que calarem as vozes que cantam, ficará a semente do amor a gritar : porque te calas amigo!
António Sousa Pereira
12 de Janeiro de 2023

Na paisagem da eternidade.

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Rita Raimundo de Sousa

6 de janeiro de 1929 - 3 de Junho de 1960
94 anos
 
Por vezes, imagino que converso contigo, que estás a meu lado, que tocas na minha mão e acaricias meu cabelo.
Por vezes, imagino o teu sorriso a beijar os meus olhos num deslumbramento de pétalas.
Por vezes, recordo o teu último adeus, na distância do comboio a mergulhar na escuridão da noite.
Por vezes, recordo a tua voz melódica a voar por dentro da minha memória.
Por vezes, recordo o silêncio das flores, brancas, na terra, em cruz de saudade.
 
Afinal, nem sei se são saudades. Porque saudades são ausência, e, tu, não sei porquê, sinto-te que estás sempre ao meu lado, abraçando o meu coração.
Quantas vezes, para dentro de mim mesmo, ao longo da vida, gritei: Mãe, ajuda-me! E tu, do infinito, ali estavas a beijar os meus nervos.
 
É por isso, só por isso, por tudo isso, que, aquele instante, último de despedida, naquela noite, junto ao Guadiana, continua presente dentro dos recantos do meu silêncio, como se fosse uma tela pintada que nasce na penumbra da noite, nesse tempo de criança, que ficou eterno em cores e sons.
 
Vejo, ainda hoje, o teu sorriso a brilhar na luz, sem luar, e, as tuas mãos a acenar no ritmo das luzes a rasgar a janela do comboio que se diluía…diluía…diluía…na paisagem da eternidade.
 
Por vezes, recordo-te, tantas vezes recordo-te, mas, neste dia, que é o Dia de Reis, que é teu dia mãe, aqui estou a conversar contigo, através destas palavras que nascem na memória e forjam o silêncio do Futuro.
 
Ao fim do dia, no café, dizia à minha filha Rita: “Hoje, a tua avó fazia anos”. A Alice brincava.
Olhei em redor, e, com um sorriso a viajar pelo tempo, senti no jardim mais belo da vida, aquele em que só nós lá vamos, as flores e as borboletas, a imensa gratidão que sinto pela beleza da vida.
 
Neste dia que te pertence, serás, sempre, a rainha que floresce como um poema a voar, sempre a voar, como gaivota a beijar o sol e a tocar com as asas o azul infinito...eternidade!
 
António Sousa Pereira

Até sempre Arménio! Um homem com um sorriso nos olhos

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Há cerca de um mês atrás encontrei o Arménio, ali, perto do Luso Futebol Clube, disse-me que estava triste porque tinha morrido uma amiga dele, uma camarra, como ele, que são aquelas pessoas que fazem parte da história pura do Barreiro, gente que se olha, olhos nos olhos, com respeito pelas diferenças e sem distinções sociais.

 

Conheci o Arménio na sua missão de empregado de mesa, no Restaurante «O Colega», na Avenida Henrique Galvão, naqueles almoços tertúlia, onde tudo se discutia, nos tempos que fui Chefe de Redacção e Director do «Jornal do Barreiro». Também o encontrei no Joaquim dos Petiscos. Um homem de trabalho que se fazia por si mesmo.

Um profissional sempre com um sorriso nos olhos, simpático e brincalhão.

Ficou como senha, entre nós, aquela canção que ele a brincar, entre os caracóis e o pão torrado que tardava, usava para distrair e com ironia: “Ai que sarilho, ser pai de um filho, vai ser João, como o patrão”. E ria, a bom rir.

Um empregado de mesa, que rodopia entre clientes, ouve muitas histórias, observa, e, silencia o diz-que-diz-se, que faz parte do quotidiano. O Arménio era isso, um bom profissional, um homem discreto e de uma grande pureza e simplicidade.

Sempre, fosse onde fosse, que me cruzasse com o Arménio, cantávamos em coro: “Ai que sarilho, ser pai de um filho…”. E depois, um cumprimento de amizade partilhada.

Soube hoje, pelas redes sociais, que morreu o Arménio, e com ele, sinto que parte mais um pouco deste Barreiro Camarro, que respeito e que aprendi a guardar na minha memória, mais por estórias contadas, mas, também de estórias vividas. Esse Barreiro da Nª Srª do Rosário e do Rio Tejo, da Rua Aguiar que se estende até ao Alto de S. Francisco, um lugar génese de uma identidade.

Morreu o Arménio, aos seus familiares e amigos os meus sentimentos.

É isso, até sempre Arménio: Ai que sarilho ser pai de um filho…

 

António Sousa Pereira

Foram tempos difíceis...“mas está quase a passar".

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Hoje dei comigo a pensar em tempos idos, naqueles dias que não tinha horas para dormir, que saltava de uma actividade para outra, sem pensar em mais nada, se não sentir o prazer de fazer, construir, criar, sonhar e amar a vida. Viver. Nesses tempos, vivia os dias com uma intensidade que me deliciava no fazer, no pulsar do quotidiano. O importante era sentir a cidadania, a vida activa e os resultados das ideias transformarem-se em acção.

A minha ambição era viver e sentir a vida, era, e, digo-vos continua a ser, e, acreditem, espero que nunca deixe de o ser, para mim o mais belo da vida foi sempre fruir a vida, abraçar o tempo que vivo com o coração, viver todo o tempo com o tempo a galgar os meus nervos.

E na medida que o tempo passa, cada vez mais sinto, afinal, neste tempo que existimos, neste aqui e agora, por cá estamos, e registamos que tudo se esvai, por isso, o belo é sentir o sabor da vida, o mais belo da vida é ser. Ser como quem sente a eternidade.

É por isso que gosto de envelheSER.  Manter sempre viva, em sorrisos, a alegria de viver, sempre com um sorriso, que me anima, perante todos os desafios e adversidades.

 

Hoje, pela manhã, recordei os tempos idos, nesse ritmo de dormir. O tempo para dormir é sempre indispensável. Descansar e retomar energias.

Nunca fui pessoa de dormir muito, mas, contraditoriamente adoro dormir, e, talvez, por essa razão quando adormeço é mesmo para adormecer. Sempre dormi pouco nas corridas do dia-dia. Mas, depois, aos sábados ou domingos, por vezes, dormia, horas e horas, até sentir os ossos acordar numa tranquilidade silenciosa.

E foi por essa razão que, hoje pela manhã, pensei nesses tempos idos. Que bela soneca. Acordei como se fosse um sábado ou domingo, daqueles de outros tempos. Acordei com os ossos a sorrir, esticando os braços como quem quer agarrar o sol. Uma tranquilidade matinal de ternura.

 

Depois começou o dia, as coisas que nos acontecem que enchem o tempo que vivemos.

Numa esquina da vila, lá vi uma senhora sentada no chão, a fazer crochet e das suas mãos saiam umas giras bonequinhas. Vejo-a por ali, há vários dias, sempre na mesma esquina, horas, sentada a lutar pela vida.

Hoje decidi meter conversa. Parar. Perguntei-lhe o preço das bonequinhas. Ela disse-me e sorriu para mim, comentando : “Você conhece-me”. Olhei e não reconheci. Disse-me quem era e comentei o nome de familiares. Sim, sou.

Perguntei-lhe se era sem abrigo. Comentou que não. Tenho casa. Foram tempos difíceis. Comentou – “mas está quase a passar”, disse-me.

Então não desista, comentei, e acrescentei – “Sabe, José saramago tem um romance com o título: Levantados do chão! Levante-se”.

“Tem que ser, disse-me ela, e com um sorriso interrogou: “Não é essa a vida dos portugueses?” E sorriu.

Segui o meu caminho. Pensando na vida, nas vidas.

E, ao fim do dia cá estou a escrever estas palavras pensando numa mulher, sentada na esquina da cidade, na luta pela vida, sentada no chão e com um sorriso afirmando: Está quase a passar.

Isto, no dia que acordei com os ossos a sorrir e o passado a mergulhar nos meus nervos. Sorri.

 

António Sousa Pereira

 

 

 

 

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