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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

O Amor semeado em 20 de Setembro de 1950

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Nós, todos nós, somos herança de quem nos antecedeu, os nossos pais, os nossos avós, perdendo-se no tempo as raízes da nossa identidade.
Há registos mais recentes, outros mais distantes, e, ao viajarmos pela cronologia do tempo, sentimos as nossas raízes algures.
 
As minhas devem estar em Arrenilha de Santo António, destruída pelo terramoto de 1755, que depois deu origem à vila pombalina, fundada com a vontade de Marquês Pombal – Vila Real de Santo António.
Se olharmos para a planta da fundação de Vila Real de Santo António, os meus avós viveram todos no quarteirão 22, que ficou divido em 22A e 22B, porque foi rasgado pela conhecida Rua Estreita.
 
Os avós paternos na Rua da Princesa. Os avós maternos na esquina da Rua Estreita, com a conhecida Rua da Espanha, esta, no tempo da fundação, era o limite da Vila.
Nessas ruas de gente de trabalho estão as minhas raízes.
O meu avô paterno era Calafate, uma profissão especializada na época. A minha avó paterna pelo que me constou não tinha vida profissional .
 
O meu avô materno era pescador do rio, com barco próprio e actividade artesanal. O escritor Vicente Campinas identificou num personagem da sua obra - o António Gigante - no seu romance «Os Fronteiriços». Também sei que era um brilhante artesão, construía veleiros - estilo bacalhoeiros - de formatos pequenos e metia-os depois dentro de garrafas erguendo as velas e mastros com fios. O meu Tio António tinha um exemplar em casa dele, ficava deliciado a observar aquela beleza.
O meu avô juntava a sua actividade de pescador do rio, com a tarefa de estabelecer comércio clandestino entre Portugal e Espanha. Levava produtos para a raia espanhola e trazia outros para as margens de Portugal. A minha avó materna era operária conserveira. Foi essa profissão que legou à minha mãe.
 
Foi com a minha avó materna que eu vivi, após o ano 1960, quando fiquei órfão de mãe, ali, nessa casa na Rua da Espanha, na esquina com a Rua Estreita.
A minha rua. Será sempre a minha rua. Uma rua que era um bairro. Uma rua que era uma família. As portas abertas. As brincadeiras. As conversas, nas noite de verão, de um lado para outro da rua. Uma rua de gente que se respeitava.
 
É nessa gente de trabalho, nesse viver solidário que cresci, cultivando a amizade, essa amizade que se inscreveu para a vida. O Narciso. O José Henriques. A Betinha. O Chico. O Tomás. O Gabriel. O Machadinho. O Nelson. Tantos nomes que ficaram inscritos e fazem parte daquilo que sou.
Aquela era a rua da Tia Maria Parra, da Tia Maria Neto, do Sebastião, barbeiro, do Mestre Zé Branco, carpinteiro, do Orlandino, do Alexandre, do João Paulo, da Adélia, do Sanina, do Juca, estes e tantos nomes que estou a visualizar os seus rostos, mas os nomes voaram pela memória do tempo.
 
Mas, afinal, a que propósito estou a recordar tudo isto, quando queria apenas recordar que faz hoje 73 anos que os meus pais casaram.
O meu pai e a minha mãe, ambos com raízes nesse quarteirão 22, esse que liga, entre si, a Rua Estreita, a Rua da Espanha, a Rua da Princesa e estão no epicentro do Largo da Bica.
 
Recordo porque, há precisamente 73 anos, o Pereirinha e a Rita deram o nó, para a vida.
Pelo que foi dito, embora tudo tivesse sido tratado para que o casamento se realizasse na Igreja de Vila Real, onde terá decorrido todo o processo e registos, à última hora, o Padre terá decidido deslocar a cerimónia para a Igreja de Castro Marim.
O meu contou-me que estava a trabalhar em Santa Luzia, lá para os lados de Tavira, e após terminar a noite de trabalho na padaria, veio de bicicleta para Vila Real e, depois, lá foram os noivos, a pedalar rumo ao casamento em Castro Marim.
 
O meu pai contava 23 anos. Exercia a profissão de Padeiro. A minha mãe 20 anos. Exercia a profissão de Operária Conserveira. Começaram por viver na zona das Hortas, nos arredores, no terreno do Manuel Belião.
Depois vieram viver para a Avenida da República, junto ao Guadiana, perto da Barbearia do Zé Tacão. É dessa zona que guardo as mais belas recordações da minha infância. O rio. Os barcos. Os cânticos que se escutavam oriundos de Espanha. Os presépios de Natal. E aquele quadro de veludo com Jesus Cristo, na cruz. Uma memória que nunca esquecerei. Vi a minha mãe chorar, agarrando-o nas mãos.
Um quadro que a minha irmã Josefa um dia disse-me: “Estava em casa, foi guardado pela avó. Está aqui, é para ti.”
E está, de facto, no meu escritório. Uma companhia.
É dessa casa que tenho dentro de mim o sorriso alegre da minha mãe, o seu carinho e ternura. O meu pai era mais desligado. Viviam solidários.
 
Deixaram três filhos – António, Carmina e Josefa. O primeiro, Humberto, não viveu um ano.
O Pereirinha, jogador de futebol, da equipa do Celeiro, onde alinhou ao lado do Cavém, o internacional do Benfica.
A Rita sempre irreverente, com um sorriso a brilhar nos lábios. Uma mulher de fé e com grande amor pela vida.
Viveram felizes até que a minha mãe partiu tinha 30 anos. Ficamos três crianças.
Eu e a Josefa na Rua da Espanha, com a avó.
A Carmina foi para a casa da Tia Arminda, integrando-se numa família de 4 primos, todos rapazes.
 
É verdade, faz hoje, dia 20 de setembro, 73 anos que eles - Rita e António - uniram o coração, construindo um futuro, que se propagou e está a pulsar, vivo, bem vivo, pelo Barreiro, por Vila Real de Santo António, por Cabanas de Tavira, pelos Estados Unidos da América, por Amesterdão.
Filhos, netos e netas, bisnetos e bisnetas que sentem, não tenho dúvidas, carinho pelas suas raízes.
 
António Sousa Pereira
 
 

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