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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

“Nem tudo o que parece é…”

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Um destes dias, nas redes sociais, a propósito de uma fotografia publicada pela minha amiga Vera Silva, comentei: “lindo sorriso com os olhos”. Os seus olhos partilhavam emoção e alegria.
 
E, ontem, numa troca de palavras com o meu amigo Pedro Vasconcelos, recordei este comentário, para lhe dizer, sabes, uma coisa que aprendi com a pandemia foi a sentir o sorriso nos olhos. Os olhos tudo comunicam.
 
Olhar, olhos nos olhos, nos nervos dos olhos, é uma forma de sentir pulsar o coração. Mergulhar na interioridade. Sentir que somos com os outros. A pandemia ensinou-nos essa lição. Mas já esquecemos.
Por isso, por vezes, delicio-me a observar a diferença entre o rir com os dentes, e o rir com os olhos.
O sorriso com os olhos nasce no coração. É puro. É terno. Tem aquele sabor de mel. É um sorriso que se dá e se recebe.
O sorriso com os dentes nasce, talvez, no estômago. É uma comédia, ou talvez uma mera necessidade. Freud, explica isso.
 
Ao longo da minha vida, sempre me apaixonei pelo olhar. É no olhar que tudo começa, naquele instante que bebemos sofregamente a beleza da vida. Como dizia Augusto Cabrita – “a beleza existe, temos é que descobri-la”.
É por isso que, com o olhar abraço a natureza, o ceú, o sol, o luar, o mar, e, através dele sinto, parafraseando o poeta, que pelos olhos "vou para o mundo" e pelos olhos toco na energia do mundo.
 
Ocorreram-me todas estes pensamentos, a propósito de uma conversa que decorreu, perto de mim, daquelas conversas que acontecem por acaso, que escutamos sem coscuvilhice, mas, ao escutar, sentimos o pulsar do mundo real. Palavras que expressavam a amargura dos sorrisos, que comentavam fotos de circunstância. É vida.
Sim, ao escutar aquela troca de palavras registei, escutei a dor gravada nos olhos e no silêncio, ali, no meio da Procissão de Nª Srª do Rosário. De tudo o que foi dito guardei uma frase, limpa e dura, que voava entre as pétalas que desciam espalhando, no seu voo, o brilho, o colorido da palavra amor.
E, na verdade, naquele ambiente de religiosidade, aquela frase cravou-se nos meus ossos: “Nem tudo o que parece é…”.
Olhava em meu redor e percebia o contexto daquelas palavras que abafavam o silêncio.
 
Também, ali, ao meu lado, um jovem, talvez dos seus 30 anos, com a dor a respirar nos seus olhos, de lábios trémulos, como quem reza, intimamente, fixava a imagem de Nª Srª do Rosário. Ao seu lado eu lia, nos seus lábios, em sons mudos, o seu grito: Ajuda-me!
Sentia-se a fé nos olhos. Porque a fé é coisa que se sente, ou não se sente.
 
Quando navegava no Tejo, no cortejo marítimo da procissão de Nª Srª do Rosário, uma senhora brincava, rezava, tocava suave e silenciosamente o terço que descia no seu peito como se fosse um colar. Pedia na sua oração. É isto a fé, que não se explica.
No decorrer da viagem contou que estivera muito doente, com um cancro, e, na sua oração, pelo Tejo, agradecia por ainda estar viva – “sofri muito”.
A procissão no rio foi uma festa. Brincava-se. Vivia-se um ambiente de convívio e solidariedade.
 
Nas margens milhares de pessoas observavam. Sempre vi milhares de pessoas nas ruas do Barreiro, nos dias da Procissão de Nª Srª do Rosário. Não é nenhuma novidade os milhares de pessoas que ocorrem, vindos de muitos lados.
E, ao longo dos anos, sempre vi presentes pessoas de todos os partidos. Porque, afinal, a religião não tem partido.
Sempre que estou pelo Barreiro nos dias da Procissão de Nª Srª do Rosário lá vou observar, fotografar, sentir o pulsar das gentes camarras, que vivem este dia com fervor, sempre o viveram.
 
A Procissão de Nª Srª do Rosário, tem uma espiritualidade muito própria, que se cruza com a identidade de um povo, um povo que nunca foi submisso, por isso, sim, talvez por isso, revoltava-se, quando via a Igreja, estar ao lado de quem reprimia e prendia os que lutavam pela Liberdade.

Nestes dias, não sei porque razão, a procissão tem sido tema de conversa com alguns amigos. Uns que dizem defender a separação entre o Estado e a Igreja, questionando se o Poder Politico se devia expor e ser co-organizador deste evento religioso. Eu comentava que não via mal que o Poder Politico marcasse presença, porque institucionalmente, deve responder a convites e respeitar, esta, e, todas as religiões.
 
Outro meu amigo, que se afirma ateu, esse então, nem via com bons olhos a presença dos políticos nas cerimónias religiosas.
Comentei que ao longo dos anos vi marcar presença na Procissão de Nª Srª do Rosário presidentes de Câmara, do PCP e do PS. Não vejo nisto qualquer problema.
Na verdade, o importante é que exista separação de entre o poder espiritual e o poder temporal.
 
O triste, isso sim, é quando os políticos, ou até mesmo os padres, querem usar a religiosidade, como a arma de arremesso politica ou sócio cultural. Isto, de facto, em nada ajuda a salutar convivência.
 
Na verdade, ainda há muito a percorrer para cultivar, aprofundar e apreender o sentido e o significado da palavra «fraternidade», tão valorizada pelo Papa Francisco, na sua Carta Encíclica - «Fratelli Tutti – sobre a fraternidade e a amizade social», um texto que li apaixonadamente e cuja leitura aconselho, a crentes e não crentes, porque fala de «bem comum», de «valores comunitários», de «relações de vizinhança».
 
Ali, por exemplo, o Papa Francisco afirma que: “a politica deixou de ser um debate saudável sobre projectos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e do bem comum, limitando-se a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Neste mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para manter o estado de controvérsia e contraposição. Nesta luta de interesses que nos coloca a todos contra todos, onde vencer se torna sinónimo de destruir…”
 
Ah, é verdade, também afirma, nesta sua encíclica que : “O mercado, por si só, não resolve tudo, embora, às vezes nos queiram fazer crer nesse dogma de fé neoliberal. Trata-se de um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja”.
 
Enquanto navegava no Tejo, a bordo do «Sejas Feliz», barco da empresa que vai gerir a muleta «Álvaro Velho», nos próximos dez anos, deitava os meus olhos nos areais de Copacabana, de Alburrica, do Mexilhoeiro…mergulhava os meus pensamentos no silêncio das ondas, apenas, para descobrir a beleza da vida e abraçar a natureza com aquela ternura que se sente, sempre, quando nos olhos sentimos brotar a paixão pela vida.
 
António Sousa Pereira

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