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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

Associativismo – da resistência à resiliência. . Urgente criar um Gabinete de Crise

 

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O processo de desindustrialização afectou de forma dolorosa a vida do concelho do Barreiro, quer no seu tecido económico, quer nas relações sociais, quer nas suas características demográficas.
Um dia, certamente, serão efectuados estudos académicos sobre esse período da vida local, de forma serena e sem a espuma dos dias, principalmente sem os floreados das guerrilhas politicas epocais, sempre mais preocupadas em fomentar bodes expiatórios e encontrar argumentos para estratégias e tácticas ocasionais, do que desbravar caminhos para encontrar soluções.
O Barreiro é, desde já, um caso de estudo, quer ao nível do processo de desindustrialização, quer ao nível das linhas orientadoras da gestão do seu território, na sua evolução e decadência, da sua ligação à zona industrial, do seu afastamento e ligação, do seu historial ferroviário, da sua estratégia de mobilidade, no seu lugar e contributos na rede de saúde pública, nos projectos na área do ensino, na suas dinâmicas desportivas, na sua marca ambiental e ecológica, na sua acção civica – da resistência à resiliência.
O Barreiro tem uma enorme riqueza de temas que, cada um por si, proporcionam reflexões e abordagens interdisciplinares, e o abrir caminhos para conceptualizar uma estratégia de concelho e cidade, num território com uma identidade, história e diversidade que podia, e devia, ser olhado, pelo politicos locais e nacionais como o «laboratório» para abrir caminho a tal estratégia da cidade de duas margens.

Mas, isto são meras reflexões e inquietações de quem já ouviu tantos projectos e tantos sonhos, nascer e morrer, desde cidades do cinema, marinas, Porto multimodal, Estação Oriente da Margem sul, Oficinas TGV, Terceira Travessia do Tejo. Tanto sonho e tanto sonho adiado. E, na verdade, em todo este tempo, aqui, a este concelho, aplica-se a célebre frase dos tempos da troika que o povo português – aguenta, ai aguenta, aguenta. É isso que tem acontecido. O povo do Barreiro aguenta, aguenta, enquanto, ao seu redor tudo se desenvolve – ou fruto da Ponte Vasco da Gama, ou fruto do comboio da ponte 25 de Abril, ou fruto da Expo 98, e, agora, lá para os lados de Pedrouços,a festa continua e, certamente, se a crise não o adiar e tal seja possível, lá irá nascer o túnel Algés – Trafaria. E, nós cá estaremos, no aguenta, aguenta, e, nem sequer a ponte Barreiro Seixal avançou, como foi anunciada, e, obviamente, agora vai ser tarde, apesar de nunca ser tarde para esperar e ter esperança, que este nosso potencial possa ser dinamizado e valorizado. Nós merecemos, já merecemos. Ficam estes breves registos.

Mas, quando me sentei para escrever esta nota, tinha apenas uma finalidade, desenvolver um comentário a propósito do associativismo e a «crisovirus».
Quando o processo de desindustrialização atingiu o seu auge de decadência, quando algumas chaminés começaram a ser implodidas, quando as ruas, os cafés, as colectividades se encheram de DLD s, - Desempregados de Longa Duração, quando as últimas fábricas da metalomecânica e da Quimica começaram a encerrar – algumas delas elefantes brancos – abrindo caminho para um novo ciclo, o Barreiro viveu um dos seus tempos amargos. Foi nesses tempos que no Hospital do Barreiro nasceu a Unidade de Psiquiatria/ Psicologia. Estes tempos vinham em crescendo marcando a vida do concelho e da Península de Setúbal. Tempos de bandeiras negras sinal de fome. Tempos da voz que se erguia pelos que não tinham voz, o Bispo Vermelho, de Setúbal.
Foi por estes tempo que vivi a minha actividade cooperativa, como Presidente da Direcção da Cooperativa Pioneiros do Lavradio e, também, assumi a presidência da Direcção da SFAL.
Tempos difíceis, porque foram marcados por grandes mutações na vida local. Muitos trabalhadores saiam das fábricas e com as indemnizações abriam cafés. Em cada rua nasceu um café, alterando completamente uma actividade que, até por esses tempos estava centrada em 4 ou 5 estabelecimentos. Na SFAL fazia-se fila para tomar café. Tudo isso acabou, na SFAL, e noutros lugares do concelho.
Por outro lado, os desempregados ocupavam os espaços, com os jogos de dominó, com discussões alterando completamente os hábitos de sociabilidade existentes na vida associativa.

Um dia convidei D. Manuel, Bispo de Setúbal, para uma conversa sobre associativismo. Nunca mais esqueci aquela a frase dele ao entrar no café e ver tanta gente, a jogar dominó, a discutir, a conversar – “Este é o papel do associativismo, combater a solidão”.
No debate reflectiu-se sobre o associativismo e o seu contributo para evitar que as pessoas se isolassem nas suas casas, que perdem-se as relações com a comunidade, que sentissem a solidariedade e a amizade que, anteriormente, mantinham nas fábricas.
Não esqueço como dialogámos sobre a importância do associativismo no valorizar a coesão social e a vida da comunidade.

Recordo tudo isto porque, na verdade, senti, vivendo, como a vida associativa deu um importante contributo ao concelho do Barreiro – coisa nem sempre compreendida – no manter a coesão social, a identidade, a memória, o fazer cidade e fazer cidadania, como escola de democracia e participação.

O processo de desindustrialização marcou as relações na comunidade, foi um corte radical da família com a fábrica, da relação empresa- comunidade que marcou gerações, que formou gerações. Operários que tudo fizeram para dar aos seus filhos uma formação universitária, que fez do Barreiro, nos anos 90, um dos concelhos com maior indice de licenciados em Portugal. Muitos deles tiveram formação extra escolar – de educação fisica, música, teatro, arte, nos espaços associativos.

Nos tempos da troika, quando não existiam verbas para pagar entradas em espectáculos, quando era preciso gerar espaços de convívio, manter laços de humanismo vivos, mais uma vez, lá estiveram as associações na primeira linha nesse gerar afectos, nesse contribuir para a coesão social, nesse juntar vontades, sendo lugares de acção, vida e resiliência social.
O DIA B, tão estigmatizado, nesses anos da troika, foi um importante meio de cada um sentir a comunidade, no fazer cidade e fazer cidadania. Os escuteiros estiveram na primeira linha, nesse amar e sentir o espaço público como continuidade da nossa casa, no sentir que a nossa casa faz-se no fazer cidade.

Mas, também sublinhar que os espaços associativos, na sua diversidade no concelho do Barreiro, são um agente económico importante, com largas centenas de postos de trabalho – da Misericórdia, aos Bombeiros, das IPSS às colectividades, dos grupos de teatro às actividades formativas – culturais e desportivas, dos clubes aos grupos informais. São mesmo muitos postos de trabalho, que existem fruto de dinâmicas voluntárias dos barreirenses.
O associativismo é gerador de emprego e promotor de acção civica, contribui para a coesão social e, sublinhe-se, ao longo de séculos foram espaços de resistência – na luta pela liberdade e democracia – foram espaço de resiliência, no dar força à identidade no fazer comunidade.

Neste concelho, no qual gostamos de viver, passamos e aguentamos a desindustrialização, passamos e aguentamos a fase da troika, estamos agora numa nova encruzilhada.
As empresas vão ser afectadas. O associativismo vai ser afectado com a crisovirus. Se já estavam a ser dias difíceis, aproximam-se dias piores.
Não se trata de quem tem unha que toque viola, quem aguentar, aguenta, quem não aguentar fecha.
O alerta é essencial. O associativismo nestes dias que se aproximam vai ter um papel crucial no manter a coesão social, no manter vivos espaços de criatividade e de sociabilidade.
É certo que as verbas das autarquias não vão dar para acudir a todos o problemas – das familias, das empresas, das associações e até das próprias autarquias.
Mas, desde já, é necessário pensar uma estratégia um plano de emergência, envolvendo estruturas do Poder central, para que a vida associativa se mantenha activa e contribua para quebrar a solidão, dar vida à cidadania, fortalecer a coesão social.
Tem que existir coragem. Isto não se trata de um plano de medidas propostas umas pela CDU, outras pelo PSD, ou outras pelo PS.
É preciso criar, desde já, um Gabinete de Crise que, possa contar com o contributo de todos, com pelouros e sem pelouros, e, pelo diálogo. encontrar respostas à pandemia social que vamos ter que enfrentar. O que vem por aí é muito grave e perigoso.
O associativismo é uma porta aberta ao fazer cidadania e fazer cidade.
Depois da resistência, vivemos os tempos da resiliência - desindustrialização, troika, e , a agora, cá estamos...vamos lá!

Ao longo dos anos, sempre que falavam de crise do associativismo, protestava contra esse conceito, porque desde que me descobri na vida associativa, sempre, mas sempre, a crise do associativismo foi tema de teses e mais teses. Defendia e defendo que a crise do associativismo é indissociável das crises de cada época, das mudanças na sociedade que afectam a vida associativa.
A crise do associativismo é fruto da crise da sociedade onde está inserido, é, por isso, que o associativismo, sendo um parceiro que vive do voluntariado sente os efeitos das crises com mais intensidade.
É isso que está pela frente, vai ser duro, vai ser dificíl, vai ser trágico, vai existir resiliência, mas o associativismo, por si, certamente não aguenta, não aguenta...

António Sousa Pereira

 

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