Quinta Braamcamp - não mexam, que não estragam!
Hoje é um dia que vai ficar inscrito na memória dos barreirenses. Sim, este é um dia histórico. Uns podem achar que é histórico, por ser o dia que dá origem a “uma boa noticia”; outros vão considerar que é histórico por ser o dia que dá origem a “uma má noticia”. O futuro irá julgar.
Uma coisa é certa, o actual executivo municipal, hoje, numa reunião pública extraordinária vai apresentar a proposta cuja finalidade é alienar uma parte do território municipal. Uma propriedade municipal adquirida há pouco mais de dois anos, vai ser colocada no mercado imobiliário. As tais ditas janelas de oportunidade que fazem os tempos presentes.
Como esta é uma matéria de interesse público, como quero, pessoalmente, assumir a minha posição sobre o assunto, para que conste e fique como memória futura. Expresso, aqui e agora, a minha discordância enquanto cidadão da decisão de venda deste património municipal.
E, como vivemos em democracia, que deve ser vivida e construída no respeito pelas diferenças, aqui afirmo meu não à venda. Ponto final. A minha opinião vale tanto como do presidente da Câmara, só que ele tem o poder de decidir e eu tenho o poder de discordar. É isto a liberdade, o pluralismo, a democracia. Como dizia Mário Soares, em pleno cavaquismo, nunca abdiquemos do nosso «Direito à indignação». Perder o direito à indignação é perder o o direito à cidadania, a ter a voz na polis.
Podem decidir. Foram eleitos para gerir os destinos da comunidade, mas não foram eleitos para calar as vozes discordantes das vossas opções.
Para mim, este é um dia histórico e triste, quando um executivo municipal, opta por vender parte do seu território, adquirido após anos de negociações para o dominio municipal, e, agora opta pela sua venda, com base num projecto imobiliário. Nem só de habitação é feita uma cidade.
É triste, igualmente, que nos dias de hoje, quando alguém toma posição sobre esta decisão do executivo municipal de imediato é acusado de «comunista». Era assim também antes do 25 de Abril, quem discordava do regime, qualquer um, estava ao serviço do comunismo. Era, também, um pouco assim no PREC, que tomasse posição discordante da força dominante era acusado de reaccionário.
Desde que este assunto, da Quinta Braamcamp, foi colocado na agenda politica local, tudo tem sido feito para estigmatizar o tema. Todos os meios servem. Criou-se o “caldo cultural” necessário para afunilar a discussão, ou por outra para não haver discussão. Tudo ficou claro com a criação de barricadas. Nada acontece por acaso. Os acasos são puras necessidades.
Por isso a cidade não se mobilizou para discutir o assunto, porque ele foi sempre colocado como um conflito entre os «aziados» e os «açucarados».
Porque as pessoas no geral consideram que em torno do assunto, afinal, o que há é politiquice, jogos de poder, um conflito PS – PCP, como se estes dois partidos fossem os donos disto tudo.
Os outros partidos calam-se, ou vão na onda, gerindo os residuos do conflito, para não ficarem muitos chamuscados.
A população em geral está alheia ao assunto. Foi feito um inquérito, ao qual eu respondia que sim, obviamente que respondia – SIM. Sim, a quinta é uma mais valia para o Barreiro. Sim, se for feito um projecto de valorização. Sim, a tanta coisa.
Este assunto foi muito bem trabalhado. Teve uma boa operação de marketing, com de ideias força para isolar os contestatários. Chegou-se mesmo ao nível do ataque pessoal do carácter das pessoas. As pessoas foram atiçadas umas contra as outras. Gerou-se culturas de ódio. De ambos os lados, uniam-se forças em torno do «inimigo comum».
A Quinta Braamcamp foi o «lait motiv» para manter em «banho de maria» a tensão de permanente campanha eleitoral, de guerrilha urbana, de criação de estigmas, de gestação de calimeros, de vitimizações, de muros ideológicos. O debate politico bateu no fundo, no pleno preto e branco.
Até hoje, gostava de perceber o que é este projecto vai contribuir para o modelo de cidade futura, para além dos milhões do IMI, sim, até já ouvi falar da importância da «massa critica» que ali vai residir.
Já estou a imaginar o pessoal no futuro, andar por ali a passear de telemóvel na mão, à espera que os VIP’s saiam de casa para fazer uma selfie.
Depois, gerou-se a ideia do abandono, fomentou-se esta ideia nas redes sociais, com «personalidades», a teorizar em torno do estado da coisa, que a Quinta Braamcamp estava ao abandono, há décadas. Até já se fala há séculos.
Esta, digo-vos, foi a vertente que mais me indignou, aquela que mais me motivou para estar contra a venda, porque, afinal. quem quer tomar uma decisão desta natureza de venda, que é uma decisão estruturante para a vida futura do concelho, deve estar de forma firme e convicta. Não precisa inventar inverdades para justificar uma decisão, criar ideia erradas para justificar uma opção. Não gostei.
Mas, na verdade, a ideia passou, a ideia do abandono colou, dos ratos, do lixo, da degradação – “o que é que esses senhores que estão contra a venda querem que aquilo fique naquele estado de abandono”.
Isto, ao mesmo tempo que se optou por não utilizar as verbas de uma candidatura a fundos europeus, já aprovada, a qual permitia que tivesse sido feita uma intervenção de limpeza e recuperação do espaço para fruição pela comunidade.
Em suma, de um lado estão os que querem o desenvolvimento do Barreiro, os que querem atrair investimento, os que querem mudar o Barreiro, os que não passam o tempo a pensar e não decidem, os bons, os que têm visão, os que sabem da poda, os que querem tirar o Barreiro do marasmo de décadas. Esses são os que querem vender a Quinta Braamcamp, e, ali construir habitação, destinada a cerca de 550 habitantes, construir um hotel que vai gerar dez postos de trabalho, construir um campo de futebol, porque tudo isto, no futuro, vai gerar mais de milhões de receita de IMI.
Enfim, justifica-se a construção de cerca de 185 habitações, com o argumento que tal está previsto no PDM. Ouço dizer isto, de forma séria e indignada, a pessoas que criticavam o PDM, por projectar uma cidade de betão, por ser um PDM megalomaniaco.
Agora se o PDM permite, então tudo é permitido.
E, com espanto fala-se que os prédios serão construídos numa zona que não afecta a paisagem, são prédios de três pisos, que vão permitir a pemeabilidade da paisagem.
Enfim, em vez de «muros ideológicos» tão falados como aqueles que travaram o desenvolvimento do Barreiro, vamos, agora, ter «Muros de permeabilidade», porque esses trazem milhões.
O Barreiro o que precisa é de milhões. Uma coisa tenho a certeza se me sair o euromilhões fica aqui a promessa pública, compro a Quinta Braamcamp e ofereço-a ao Barreiro. Isto é que amar o Barreiro, não deixar que estraguem e vendam a sua mais bela paisagem.
Não é deixar que ali construam um campo de futebol, isto, numa freguesia que tem o melhor campo de futebol do concelho que tem um enorme potencial de equipamento desportivo, dos melhores da região, que precisa, há décadas, de ser potenciado e valorizado como estruturante para a economia local, e, para o desenvolvimento desportivo.
O Hotel estou de acordo. Isso ou algo na área da restauração que contribuísse para humanizar o espaço. Isso era defendido pelo anterior executivo, liderado pelos tenebrosos comunistas, esses mesmos, que compraram a Quinta Braamcamp.
Mas, enfim, neste processo, o pior que foi feito ao Barreiro, foi ter sido colocada a discussão, e, assim vai continuar por mais algum tempo, como um problema de guerrilha partidária, de confronto PS contra o PCP e vice versa.
Isso, de facto, serviu para criar anátemas, para desviar a atenção das questões centrais – Qual o papel da Quinta Braamcamp no modelo de cidade que queremos construir? Faz, ou não, a quinta Braamcamp parte do corredor verde da zona ribeirinha do Tejo e Coina? Este PDM não presta, ou ele vai ser a justificação do conceito «habitação também é desenvolvimento». Agora é, porque, no tempo dos malfadados «comunas» ele era a base da cidade de betão.
Não se percebe esta pressa de querer vender a todo o vapor, sem que exista um visão estratégica de cidade. Este era um assunto que devia mobilizar a cidade para fazer cidade.
Será que apenas se pretende justificar, precipitadamente, o bluff eleitoral da «roda Gigante», pretendendo-se tapar esse buraco politico, ou que a dita roda possa vir a todo o custo, nem que para isso tenha que existir um muro de permeabilidade que vai destruir uma pérola do Tejo.
Um dia destes encontrei um amigo, e com ele conversei sobre esta matéria. No final concluimos se eles não fizerem nada da Quinta Braamcamp, não estragam.
Sim, é isso, se amam tanto o Barreiro, então, este espaço único, deixem-no estar, ele, faz parte da nossa identidade, da nossa relação com o rio. Foi por ali que se instalaram os primeiros pescadores. A Igreja de Nº Srª do Rosário estava, e, ainda está de frente para a Quinta Braamcamp, quase que toca na caldeira, agora verdejante, um sinal que ainda há uma esperança. E que se faça luz.
Sim é verdade, no mundo de hoje o que conta é o dinheiro. Esta venda é um sinal dessa opção de vida. Levem-me os aneis e deixem-me os dedos.
A «massa critica» vem para cá residir e, nós, os provincianos, ficamos felizes, com o aumento de IMI e com o «muro da permeabilidade».
A Quinta vai ter espaço públicos e parte do espaço agora vendido, ruas, arruamentos, esgotos, recolha de residuos, numa zona de risco, tudo depois, vai passar para o dominio público e da responsabilidade da autarquia. Quem vier a seguir que navegue sobre os problemas.
É assim vende-se e depois retorna o que não interessa ao privado, e não será para manter na sua alçada.
O conselho é que deixem estar a natureza ali a mexer e remexer. Cuidem do essencial e para isso há fundos europeus. Façam essa habitação de luxo para a tal massa critica, que alimenta as opções de gestão de urbanizações, optando pelos territórios da Baía do Tejo.
Se amam o Barreiro não o vendam! Não vendam a Quinta Braamcamp.
Sabem, como dizia o meu amigo, que até sabe do que fala, mas não fala: É isso não mexam, que não estragam!
Até já, divirtam-se
António Sousa Pereira