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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

De carpinteiro a escriturário

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O meu padrinho Humberto Estrela exercia funções na Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António e, era, também responsável por um Gabinete, localizado no Mercado Municipal, que exercia funções fiscalizadoras do Leite.

Um dia disse-me: “Vais continuar a estudar. Vais para Escola Industrial. Eu pago tudo”.

Eu estava a trabalhar na carpintaria do Mestre Zé Branco, onde tinha como funções levar os carros com as peças de madeira para aparar na serração do Pena, ou até levar as portas e janelas acabadas, para os edifícios em construção. Varria a Oficina e por vezes, lá praticava qualquer coisa, sepilhando uma ou outra peça, para aprender a arte de carpinteiro.

Mas, sentia que não tinha grande vocação.

Quando o meu padrinho sugeriu que recomeçasse a escola fiquei feliz.

Tinha acabado o Ensino Primário e, a partir daí, entrei no mundo do trabalho na Oficina do Mestre Zé Branco.

 

O meu padrinho Humberto, curiosamente Humberto era para ter sido o meu nome, aliás, o mesmo do meu irmão que faleceu com menos de um ano de vida.

No dia do registo, o meu pai deslocou-se à Conservatória do Registo Civil para tratar das burocracias. O habitual, naquele tempo, era o padrinho dar o nome ao afilhado.

O Padrinho Humberto Estrela, por alguma razão, não compareceu.

O meu pai foi à Taberna do Joaquim Gomes, ali perto, trouxe dois amigos como testemunhas e tratou do registo.

“Que nome dá ao seu filho?”, perguntaram-lhe.

Ele respondeu: “Fica António, como o pai e nada mais!”

E, portanto, lá ficou para a história o nome de Humberto.

 

Retomando, o meu padrinho disse-me, que estava na hora de preparar a entrada na Escola Industrial e Comercial de Vila Real de Santo António.

Pela frente tinha que fazer o Exame de Admissão, que era hábito fazer-se logo a seguir ao exame da 4ª classe.

O meu exame da 4ª classe tinha sido concluído um ano antes.

O meu padrinho achou que devia ir para uma explicação para me preparar para o exame de Admissão.

Lá fui, para uma professora que dava  explicações, que existia, com diversas salas, em frente à Taberna do Vargas. Não recordo o nome da professora.

 

Fui a exame. Quando saíram os resultados, fiquei muito triste. As lágrimas chegaram aos olhos.

“Então Pereirinha, que se passa? Ficaste mal?”, interrogou-me uma rapariga da minha rua, que já andava na escola.

Disse-lhe que sim- “Está ali escrito que estou admitido. Não passei!”.

“Estás admitido! Então passaste”, disse ela.

“Não, não fui aprovado”, retorqui.

“Admitido é aprovado”, comentou ela.

Levou-me junto às pautas e demonstrou-me que estava aprovado.

Saltei de alegria. Tinha uma caixa de fósforos no bolso e vim para a porta da escola, acender fósforos, lançá-los ao ar e a gritar – “Pum, pum pum! Passei”.

 

Neste espaço de tempo, já o meu padrinho Estrela, filho do Ti’Estrela, contínuo da Escola Primária, me tinha retirado da Oficina do Mestre Zé Branco.

Primeiro, comecei por ir ajudar no Gabinete de Fiscalização do Leite. Os cântaros com o leite eram fiscalizados com uma ampulheta, que ficava a flutuar e confirmava a sua densidade.

O trabalho começava às 6 horas da manhã, com a chegada do leite que vinha das serras do Algarve, do Montinho e Odeleite. Os cântaros entravam colocava-se a ampulheta, se ela flutuava estava em condições, se afundava, os cântaros eram colocados de lado, não iam para venda a público, acho que eram destinados a produção de queijo.

O Mercado pela manhã era um mundo imenso de gente, existiam diversos cafés em redor, chegava muita gente para venda dos mais diversos produtos. Eram frangos. Eram figos, repolhos. E o cheiro a pão que se sentia dos diversos depósitos de venda de pão, que existiam à volta do Mercado.

As manhãs no começo do dia, ali, à volta do Mercado era uma agitação enorme e de grande azáfama. O campo descia à vila.

Os montanheiros, como nós dizíamos, chegavam nos seus burros, carregados de produtos horticolas. Descarregavam. Depois os burros ficavam na Hortinha, a aguardar o regresso. 

Eu gostava de ver aquele nascer do dia, vibrante e com uma grande energia humana. Na porta da entrada do mercado, estava lá um vendedor de bolos, eu adorava os suspiros. Quando não havia dinheiro para comprar bolos ele oferecia as «raspagens». Eram os restos dos tabuleiros, uma mistura deliciosa. As «raspagens» dos suspiros eram uma delicia.   

Os leiteiros faziam fila, colocavam depois os cântaros nas bicicletas e lá partiam pelas ruas, de porta em porta, a vender o leite. Gritavam.

Tocavam aquelas buzinas. Hnec, nhec, nhec. Também tinham uma corneta e quando partiam pelas ruas, para avisar a chegada tocavam as cornetas, com o som muito semelhante aos que davam a partida dos comboios. Lá vinha o pessoal às portas com as cafeteiras para comprar o leite, que era vendido às medidas.

Estive por ali poucos dias. Porque, o meu padrinho Estrela, reservou-me outra função na sede da Junta de Freguesia.

 

Tinha os meus doze anos. Era o responsável pelo funcionamento diário da Junta de Freguesia.

Abria a porta da Secretaria pelas 9 horas da manhã. Recebia o correio e registava.

Lia o jornal que chegava todos os dias – “Diário da Manhã”.

Fazia o atendimento das pessoas. Respondia aos ofícios, teclando letra a letra na máquina de escrever, e, copiando as respostas por modelos que existiam, ou passando atestados, que depois o meu padrinho limitava-se a assinar.

Passei, pois, de carpinteiro a escriturário. Na Carpintaria do Mestre Zé Branco, ganhava 25 tostões e a entrada gratuita no cinema. Aqui tinha vencimento zero. Tinha direito ao pequeno almoço e almoço na Junta, onde eram servidas refeições a idosos e carenciados. 

Por ali estive, naquelas funções administrativas, até ao começo do ano escolar, na Escola Industrial e Comercial de Vila Real de Santo António, onde integrei o 1º ano, 3ª turma, aliás, onde fiz muitos amigos e de onde guardo muitas e belas recordações.

 

Fica pois, aqui, mais um mergulho por dentro das minhas memórias.

 

António Sousa Pereira

Os domingos na Praia dos «Três Pauzinhos»

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Os domingos nas férias de Verão – da escola -  eram uma delicia. A praia dos «Três Pauzinhos» era o nosso recanto idílico.

Todos os domingos, pela manhã, saíamos de casa, eu e a minha irmã «Géfinha».

Naquele tempo, nos anos que teríamos, eu entre os 10 anos e os 12 anos, ela entre os 5 e 7 anos, os dois, de cesta aviada e lençóis, vivíamos esta aventura, como um verdadeiro ritual.

Duas crianças, caminhando, calmamente, pelas ruas da vila, com as toalhas, a cesta com o farnel, partíamos pela manhã, rumo à estrada do Farol, depois pelo «caminho»  - uma vereda - na Mata de Vila Real, que conduzia até à Praia dos três pauzinhos – alguns km a pé.

Recordo como gostava de ver o sol entre as ramagens dos pinheiros. Por vezes parávamos para apanhar camarinhas, que juntávamos ao farnel. Víamos os camaleões passear nos ramos. Escutávamos os sons dos pássaros. A travessia da Mata era um prazer. Uma travessia feita de total ingenuidade e pureza.

 

A Praia dos «Três Pauzinhos» estava localizada entre a Praia de Monte Gordo e a Foz do Guadiana. Eram poucas as pessoas que iam para aquele espaço. A praia, por vezes, era quase só nossa.

A nossa praia dos «Três Pauzinhos».

 

Depois da caminhada, chegávamos à Praia e, ali, com os lençóis montávamos uma espécie de tenda, feita com galhos das árvores, para nos protegermos do sol e para sentados tomarmos as nossas refeições. Ou até mesmo dormir uma soneca.

 

Uma das primeiras operações era enterrar a melancia na areia, para ficar fresca, ali, onde as ondas rebentavam, bem perto do Oceano.

Esta era sempre uma das delícias que a avó Rita, carinhosamente, colocava na cesta.

Uma cesta com merendas para o dia – almoço e lanche.

 

Depois era o dia inteiro, de manhã, até ao fim da tarde, correr, nadar, esticar ao sol, comer e brincar. Os dois manos.

Eu, o guardião da minha menina. Os dois inseparáveis.

Chegavam algumas famílias que, por ali, se instalavam, muito poucas. A Praia dos «Três Pauzinhos» era pouco frequentada. O pessoal ia para Monte Gordo, ou para a Ponta da Areia.

  

Os domingos de Verão eram nossos. Eramos reis da praia.  

Hoje, olhando para trás, fico a pensar, como era uma verdadeira aventura – duas crianças sozinhas, ali, numa praia quase descampado, um dia inteiro.

Ao recordar este tempo, sinto como a minha avó, afinal, me considerava responsável – o homem da casa – e confiava plenamente em mim, para guardar e proteger a minha irmã, como um verdadeiro adulto.

Os domingos na Praia dos «Três Pauzinho», ainda hoje, quando falo com a minha irmã Josefa, desses tempos, ela recorda, esses dias com muito carinho.

Eram dias lindos de total Liberdade – ao vento, ao sol, ao mar.

 

António Sousa Pereira

 

Nota – Uma coisa que gostava de fazer, ali, sempre que chegava à praia era uma cova perto da zona de rebentação das ondas. Uma cova com a devida protecção – uma muralha – para as ondas.

Depois, sentava-me lá dentro a ver as ondas no seu vaivém e rebentamento.

Por aqueles tempos, tinha visto o filme «Dia D – Dia Mais longo» e, então, imaginava cenas do filme. Revivia na minha imaginação a invasão, as tropas em combate, os heróis.

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