“O que é de todos, por todos deve ser decidido”, esta uma frase que, em tempos idos, não muito distantes, integrava o léxico da crítica política, e, por trás, tinha por finalidade uma consciência, política e cívica, que visava promover o debate de ideias sobre a cidade e valorizar a cidadania, de certa forma, visava valorizar e estimular o conceito de democracia participativa.
Na verdade, se a democracia fica reduzida a fruir o direito de voto, de quatro em quatro anos, então, ela tende a esvaziar-se e a afastar os cidadãos de viver a ação política. Reservando ao poder e aos eleitos o direito de decidir e não escutar os cidadãos no fazer cidade. Ora, tudo isto ocorreu-me ao pensamento a propósito das conversas e conflitualidades que tenho escutado, por estes dias, a propósito dos projectos que pretendem desenvolver na Urbanização dos Fidalguinhos. Ali, naquela urbanização, nada disto foi feito, o poder político decidiu, porque está nas suas competências, aprovar um projecto de 400 habitações e uma zona comercial que refere como eco-retail. Decidiu. Está decidido. Foi divulgada a informação sobre a implementação do projecto da urbanização dos Fidalguinhos. A população não foi ouvida, não foi esclarecida, porque, afinal, tem sido sempre a forma de fazer política, pelo executivo da “gestão 2830”.
Confundir indignação com contra-informação não valoriza o direito à indignação
Mas, há sempre um mas, a população começou a contestar, a expressar a sua indignação e, nestas coisas, as forças da oposição envolvem-se no processo. O ruído aumenta. E surge as primeiras respostas ao ruído criticando a “contra-informação” que estava em marcha na Urbanização dos Fidalguinhos. Fiquei estupefacto. Interroguei-me: para existir contra-informação, tinha que ter existido antes uma informação, coisa que não existiu. Por essa razão, pensei, quando se confunde indignação com contra-informação, isto, não valoriza o direito à indignação, uma coisa que aprendi com o Presidente da República, Mário Soares, quando promovia as “presidências abertas”. Enfim, mas avancemos. Um amigo um dia perguntou-me: Eh pá, não escreves nada sobre os Fidalguinhos? Eu respondi: “Que preferia não entrar nesta conversa que está viciada à partida, porque já está tudo decidido”.
Falhanço da estratégia de comunicação municipal
No entanto, um dia destes aqui no Rostos divulgámos a notícia que a União de Freguesias do Barreiro e Lavradio, vai promover uma sessão de esclarecimento sobre os novos projectos da Urbanização dos Fidalguinhos, dando destaque ao facto de ser “um investimento privado de 80 milhões de euros”. Diga-se que este é um projecto de urbanização cuja responsabilidade politica é da Câmara Municipal do Barreiro e, portanto, seria da competência do município promover esta sessão de esclarecimento. Foi esta situação que, afinal, motivou a escrever esta minha reflexão. Em primeiro lugar, para recordar a tal frase, tão querida do meu amigo Cabós Gonçalves – “o que é de todos, por todos deve ser decidido”. Ora aqui, que eu saiba, pelo eco das conversas, na Urbanização dos Fidalguinhos, ninguém foi ouvido, nem ninguém consultado para avaliar uma tomada de decisão.
Esta situação vivida em torno da Urbanização dos Fidalguinhos, é, antes de demais, a prova plena do falhanço da estratégia da política de comunicação municipal, que está reduzida à difusão da vida autárquica, sem ter uma visão de envolvimento da população, e, que, apenas, tem como estratégia dar visibilidade à ação politica do executivo municipal, centrada na valorização da imagem da presidência.
A gestão 2830 decidiu está decidido
Mas, neste debate que tem existido em torno da Urbanização dos Fidalguinhos, sobre o qual pouco há fazer, está tudo decidido. A gestão 2830 decidiu está decidido. Um investimento privado de 80 milhões de euros, 400 habitações a custos controlados e um eco-retail. Pode haver indignação. Pode haver esclarecimentos. Já acredito pouco, mesmo muito pouco, para não dizer nada que, isto vá mudar, que exista alguma possibilidade de parar, esta é mais uma urbanização que se insere na estratégia de betão e do IMI. Duvido, nada vai mudar a estratégia que, desde a primeira hora, tem sido a marca da gestão 2830. O exemplo começou na Quinta Braamcamp, onde já podia existir um amplo espaço de ligação da cidade ao rio, porque existiam aprovados investimentos para tal, e, nos dias de hoje, até com o PRR, outras ideias de centralidade metropolitana podiam ter sido concretizadas. Enfim, para quem gosta tanto de falar em espaços abandonados, em mitos, ali, na Quinta Braamcamp, está, há sete anos, um espaço municipal abandonado.
Arrasamento do complexo desportivo do Grupo Desportivo Fabril
Decidi escrever esta minha reflexão porque, em torno do caso da Urbanização dos Fidalguinhos, porque estes projectos estão indissociáveis do que está previsto para os territórios adjacentes, nomeadamente os terrenos do Grupo Desportivo Fabril que, como é o previsível, ficará reduzido ao estádio Alfredo da Silva e o restante está anunciado o seu total arrasamento para urbanizar. Sim, tudpo isto, insere-se na mesma estratégia, a cidade de betão, a cidade do IMI. Este é o contexto, este é o exemplo pragmático para um debate de todos os partidos políticos, cidadãos e grupos de cidadãos, tendo como eixo central a pergunta : Qual o modelo de cidade que queremos? É este que nasceu no PDM de 1994, apostando na cidade de betão, num território com cerca de 200 mil habitantes, tão criticado, em tempos, pelas forças da então oposição, e, agora, na modernidade de betão, tem vindo a ser consolidado e ampliado pela gestão 2830, como é, flagrante, neste caso, com aquilo que vai acontecer na zona da Urbanização dos Fidalguinhos?
Pensar a cidade para dormir e consumir
Quando li na informação que divulgava a sessão de esclarecimento sobre os projectos Fidalguinhos, a prioridade dada ao investimento de 80 milhões e, não li, nenhuma nota sobre as ambições de qualidade de vida urbanísticas, sobre a importância de espaços verdes, na melhoria da qualidade da vida quotidiana, recordei as as muitas noticias, as tais que costumam dizer - “Isto é noticia, o Barreiro vai ter um investimento de x milhões”. É isso. Parece, neste tempo que vivemos, de alterações climáticas, de debate sobre relações de vizinhança no fazer cidades, o que conta não é nada disso, o que conta são os milhões de investimentos.
O modelo de urbanização dos Fidalguinhos assenta nisso, no pensar a cidade para dormir e consumir. A habitação e o re-tail. Perde-se a natureza, perde-se a qualidade de vida, mas ganha-se um investimento de 80 milhões. A cidade marcada pela suburbanidade que disponibiliza mão de obra à capital. Uma cidade que não se quer pensar como parte integrante numa cidade de duas margens, quer continuar a ser a cidade da outra margem “a 15 minutos de Lisboa”. Esta é uma cidade que quer garantir a sua sobrevivência através do IMI, sendo um território, no futuro, marcado pelo betão e sem identidade. Um território suburbano como qualquer noutro na AML.
A cidade que somos, a cidade que queremos?
O meu sonho e esperança é que, eventualmente, o Novo Aeroporto de Lisboa, em Alcochete. A Terceira Travessia do Tejo, a ponte de ligação rodoviária Barreiro- Seixal, assim como a ponte pedonal que integra o circuito ecológico da AML, e, o projecto do Arco Ribeirinho Sul, tudo isto, na verdade, sejam projectos âncora para abrir portas a outro futuro. Na verdade, caso isto tudo se concretize e seja uma realidade, tudo isto pode abrir portas, para darmos a volta, à cidade de betão, e, neste território que temos, o qual em grande parte dependente de decisões do Poder Central, possamos lançar as raízes para nascer um novo modelo de cidade que seja para viver, fruir e trabalhar. Estes temas sim, deviam ser uma prioridade da agenda politica do Poder Local, colocar estes temas nos diálogo com os governos, sejam eles quais sejam, como fizeram Emídio Xavier e Carlos Humberto. Mas, se tudo isto for uma mera utopia, então, dou razão à gestão 2830, continuar com esta sua estratégia da cidade para dormir e consumir. Em conclusão, em torno dos projectos dos Fidalguinhos, já decididos, o que gostava de ver entrar no debate político local era isso, isso mesmo – a cidade que somos, a cidade que queremos?
Falava-se de tudo. De cultura, de desporto. De política. Da vida municipal. Eram conversas amenas, saudáveis, que forjaram amizades para a vida. Criticava-se. Elogiava-se. Respirava-se o pulsar da cidade e da cidadania.
Entre todos, na verdade. existia a palavra respeito, respeito pelas diferenças.
Nos finais dos idos anos 80, no século XX, no concelho do Barreiro, com regularidade, ali, no Restaurante Centenário, frente ao edifício da Câmara Municipal, reunia uma tertúlia, às sextas-feiras, num jantar que se perdia pela noite dentro. Eram pessoas com diferentes formas de pensar e sentir o mundo, e, ninguém se preocupava sobre qual era o partido político a opção religiosa ou outra qualquer matéria no campo das ideias.
Afinal, todos eles, homens e mulheres, viviam uma realidade comum – o mundo da comunicação local, ou nos órgãos de comunicação social, ou, até, na vida autárquica. Estavam unidos nessa vivência comum.
Falava-se de tudo. De cultura, de desporto. De política. Da vida municipal. Eram conversas amenas, saudáveis, que forjaram amizades para a vida. Criticava-se. Elogiava-se. Respirava-se o pulsar da cidade e da cidadania.
Entre todos, na verdade. existia a palavra respeito, respeito pelas diferenças.
Uns eram do “Jornal do Barreiro”. Outros do jornal “Voz do Barreiro”. E, existiam os que pertenciam a programas das rádios locais – da Rádio Sul e Sueste, ou Rádio Margem Sul. Também participam alguns dos correspondentes da imprensa nacional, e, técnicos da área de comunicação da Câmara Municipal do Barreiro, que editava o seu boletim Municipal.
Um dia falou-se mas nunca se concretizou a criação de Um Clube de Imprensa Local. Não existia qualquer dependência ou subserviência ao Poder Local. As águas estavam perfeitamente separadas. Cada qual na sua função e missão profissional. Vivia-se a liberdade em plenitude.
Dia da Comunicação Social do Barreiro
Nesta tertúlia, um dia, nasceu a proposta que foi apresentada em nome de todos à Câmara Municipal do Barreiro de ser instituído o Dia da Comunicação Social do Barreiro. A proposta foi, de facto, aprovada, por unanimidade – CDU, PS e PSD - numa reunião da Câmara
Municipal do Barreiro.
Assim o dia 19 de novembro, passou a ser assinalado anualmente, durante alguns anos, como o DIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL DO BARREIRO, em torno do qual para além do convívio, entre todos que faziam jornalismo e actividades de comunicação no Barreiro, juntavam-se, por vezes, jornalistas barreirenses que exerciam a sua actividade na imprensa nacional.
Neste dia, era proposto pela Tertúlia a realização de um debate, que abrangia a comunicação social do distrito de Setúbal, sobre os mais variados temas, desde a imprensa local e a democracia, ou o papel do correspondente local na valorização do território.
Recorde-se que o Dia 19 de Novembro foi escolhido por ter sido, nesta data, que em 1893, nasceu o jornal «Sul do Tejo», o primeiro jornal fundado no concelho do Barreiro.
É verdade, faz hoje 131 anos.
Tudo isto ocorreu-me à memória, aqui e agora, porque quando visitei a exposição “Liberdade . A força que mudou tudo”, registei, com tristeza que o espaço dedicado à liberdade de imprensa após o 25 de Abril, limitou-se a inserir uma notícias de jornais nacionais e 1ª páginas do “Jornal do Barreiro”. Ignorando completamente as mudanças que se registaram na imprensa local após o 25 de Abril. Os vários títulos que foram editados, de jornais e revistas. As rádios locais. E, até mesmo os correspondentes da imprensa nacional.
Aliás, para mim, aquela exposição, no que diz respeito à imprensa local, na verdade, ter como título: “Liberdade . A força que apaga tudo” .
Por essa razão, como já o fiz noutros tempos, hoje, aqui e agora, volto a recordar e presto o meu tributo a alguns nomes que me ocorrem, de homens e mulheres, que muitas vezes com pleno voluntariado, deram o seu contributo para que neste concelho existisse comunicação regional, ou local, afirmando-se como força de valorização da cidadania e da vida da comunidade.
Recordo nomes, que partiram, que conheci, com os quais partilhei momentos da vida - Alfredo Zarcos - Correspondente do Diário de Noticias; Leonidio Martins, Correspondente do Diário Popular; Guerreiro, correspondente de "A Capital"; Oliveira e Silva, correspondente de "O Século"; Vitor Cardoso, Correspondente de «O Setubalense" e de "A Lusa"; Manuel Vaz, Correspondente do "Distrito de Setúbal"; Emanuel Gois, Correspondente do Mundo Desportivo; João Liberal, Director do Jornal do Barreiro; Gonçalo Rego, Director de "Voz do Barreiro"; Coelho, Correspondente de "A Bola"; Manuel Seixo, Director de «O Jornal Daterra», Aliete Martins, do jornal “Distrito de Setúbal”, e, ainda, José Figueiredo, Director do "Voz da Vila", da Baixa da Banheira, estes, e tantos nomes que marcavam as páginas da imprensa local que, de momento não me ocorrem, e recordo com saudade, pela amizade e pelo respeito.
De referenciar o «Boletim Mensal do Luso», um jornal escrito de forma ininterrupta, desde 1949 até 1986, dirigido por Francisco Horta Raposo. Ou, ainda, o “Cachaporreiro”, editado pela SFAL, durante cerca de 10 anos.
E para fechar apenas alguns títulos de jornais locais que existiram, nos anos após o 25 de Abril, rasgando as décadas de existência de um único jornal.
Recordo, de memória – “Margem Esquerda”, “Jornal Daterra”, “Proposta”, “Voz do Barreiro”, “Margem Sul”, e, o jornal “Rostos”, o primeiro título do século XXI, e, igualmente, o primeiro jornal digital no concelho, assim como as revistas “CRL”, a revista C&S – Comércio e Serviços, e, outros que estão perdidos na memória.
Estes muitos os exemplos da Liberdade nascida com o 25 de Abril, na imprensa local, que ficaram silenciados, na exposição que assinalou 0s 50 anos do 25 de Abril no concelho do Barreiro.
Neste dia, 19 de novembro de 2024, neste ano dos 50 anos do 25 de Abril, aqui fica este registo.
A palavra AZIADOS entrou na “narrativa”, na “percepção”, ou, com linguagem mais dos tempos de marketing que vivemos, “na bolha”. A palavra aziados foi inscrita nos discursos das redes sociais, ou, até mesmo em intervenções políticas, tendo como objectivo central criar um estigma sobre as opiniões criticas, ou comentários divergentes do discurso dominante.
Inicialmente por força das circunstâncias, afinal já dizia Ortega y Gassett, o homem é ele e as circunstâncias, fomos todos embrulhados nessa onda de aziados e azedos. Depois, os aziados e azedos passaram a ser os “comunistas aziados”, “comunistas azedos”, e, por fim, acontece, nos dias de hoje, qualquer pessoa que não entre no discurso dominante, da modernidade, “do está melhor cóque estava”, “atão está tudo em mudança”, essa narrativa que não existiu antes, que apenas existe presente, que estava tudo abandonado ou inacabado, enfim tudo isso, que faz as pessoas felizes, e, sentir que vivem no melhor dos mundos.
Sinto que, nos tempos que correm, quem discorda, ou tem opinião critica, continua a ser rotulado de aziado, e, não se pode esticar muito, pois, então, a definição passa logo para o tal nível mais tenebroso de “comunista aziado”. Recordo que, houve um tempo que no Barreiro, quem não era do regime, antes de Abril, era comunista. Houve outro tempo, que, quem não era comunista, era reacionário ou fascista. Mas, nos tempos de hoje, aqui, no Barreiro, 50 anos após o 25 de abril, cheguei à conclusão que, afinal, não demos grandes saltos no respeito pelas diferenças. Nas redes sociais e em certos discursos, continua a presença da narrativa dos bons e maus, dos aziados, do presente sem passado, do abandonado e do fabricado. Mas, conclui que a palavra aziados, já está gasta, já não cola, já não tem a força de exclusão, já não atinge os objectivos que tinha nos tempos passados mais próximos. Hoje, essas são palavras recauchutadas. Por essa razão, considero que é importante mudar a linguagem, utilizar adjectivações mais fortes, com mais marketing, mais mobilizadoras, mais coaching, mais 2830, mais exclusivas e mais inclusivas – dois em um -, assim. para marcar as diferenças de opinião, da forma de pensar e sentir a cidade, da forma de viver a cidadania, passemos a utilizar as designações : os “fabricados” e os “não fabricados”. Divirtam-se!
As memórias são aqueles factos que se inscrevem na consciência, coisas vividas, coisas que sentimos ajudaram a escrever páginas da história da comunidade, aquela realidade que é totalidade do tempo que vivemos.
Tive o privilégio de integrar a Comissão Organizadora dos Jogos Juvenis do Barreiro, através da Comissão de Redação do Boletim – “Continuando”, uma experiência que não esqueço porque com ela aprendi a viver a palavra utopia, por dentro do fazer vida e cidadania, num tempo de nervos, medo e esperança. Ontem, quando José Pacheco Pereira, a propósito da apresentação do catalogo da exposição “Unidos venceremos”, dedicada ás lutas e movimentos nos anos 1968 – 1974, a dita “Primavera marcelista”, e comentava a diversidade de dinâmicas politicas e culturais que emergiram naqueles dias de cosmética da ditadura, quando a PIDE passou a ser DGS, a censura passou a ser exame prévio, etc, recordei aquele artigo que editei no jornal “Noticias da Amadora”, nesses tempos antes de Abril e dei-lhe o título – Jogos Juvenis do Barreiro – desporto do povo para o povo. A censura, dita exame prévio, cortou diversas partes do texto e no título cortou “desporto do povo para o povo”.
E foi, por esse, e outros pensamentos que me ocorreram que interroguei se podia fazer um comentário, para sublinhar a importância dos Jogos Juvenis do Barreiro, enquanto movimento desportivo e cultural, cuja utopia era construir liberdade, defender e valorizar os direitos da criança e os direitos humanos. Recordei que, os JJB foram para além do Barreiro, como projecto de envolvimento da comunidade na valorização do desporto de todos para todos, de actividades culturaias e formativas. Por essa razão, nasceram em Guimarães, em Abrantes, na Moita e noutros locais que não recordo, por essa razão, o regime até desejava integrar o modelo dos Jogos Juvenis na Mocidade Portuguesa, posição que foi sempre, mas sempre, rejeitada pela Comissão dos JJB.
E, fiz esse comentário, ali, naquele espaço da Startup, onde está patente ao público a exposição: Liberdade – uma força que tudo muda”, que “conta histórias” e “comemora os 50 anos do 25 de Abril, falando na sua primeira e mais poderosa consequência, a liberdade”. Refere-se as “liberdades que se desejaram e as liberdades que se afirmaram, que mudaram as nossas vidas e a nossa cidade do Barreiro”.
E, nas voltas que por ali dei, os meus olhos, não encontraram um painel, uma referência, a esse movimento de luta pelos direitos da criança – Dia que era sempre comemorado, antes do 25 de Abril acontecer, pelos JJB – ou os Direitos Humanos, outro Dia, sempre assinalado pelos JJB. Uma epopeia de amor à vida, de resistência e resiliência, que foi para lá do desporto. Ainda nos dias de hoje, quando percorro o Parque Catarina Eufémia, naquele tempo Parque Oliveira Salazar, escuto as canções a soar na memória – eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida, como bola colorida entre as mãos de uma criança. Ou, o sorriso da canção – olha a bola Manel, olha a bola…foi-se embora fugiu! A bola que eu imaginava como sendo a Liberdade! Se houve quem se ergueu para trabalhar e por afirmar os Direitos da Criança, os Direitos Humanos, foram os homens e mulheres dos JJB, todos, estiveram nesse combate. Mesmo depois do 25 de Abril.
E, já agora, onde estava sentado na sala a assistir aquelas conversas sobre a liberdade, a democracia, reparei que estava um espaço dedicado à comunicação, nomeadamente à imprensa regional, e, curiosamente, os jornais expostos eram várias edições do Jornal do Barreiro, neste caso, de antes do 25 de Abril. E, para quem não sabe, se algo se alterou na vida local foi também a presença da imprensa regional ou local. Nasceram e morreram vários títulos, gritos de esperança, vozes em busca e luta pela democracia e liberdade.
Só de memória, recordo alguns, nascidos após o 25 de Abril, nessa afirmação do direito ao pluralismo e diversidade : “O Jornal Daterra”, «Proposta», revista CRL, “Margem Sul”, “Voz do Barreiro”, revista C&S – Comércio e Serviços, «O Cachaporreiro», jornal “Rostos”, e, outros títulos que de momento não recordo, também, as rádios Rádio Sul e Sueste, Rádio Margem Sul, para não falar de boletins que foram editados por Comissões de Moradores e associações, e, também, a própria comunicação ao nível municipal e de freguesias..
É verdade a Liberdade é a “força que muda tudo”, é por isso, foi por isso, que recordei os dias do JJB, esse tempo que vivi, um tempo onde aprendi a viver, a sentir e a abraçar a palavra Liberdade! É verdade a Liberdade e a Utopia que descobri nos JJB, mudaram a minha vida e deram-lhe o sentido de nunca perder o respeito pela vida, porque, afinal, Liberdade rima com Dignidade!
Um dia, no decorrer do mandato de Emídio Xavier, PS, nos Paços do Concelho, um técnico do município, chamou-me para me mostrar uns desenhos que transportava numa pasta. Abriu a pasta, espalhou os desenhos sobre uma mesa. Olhei, observei e notei que era o esboço de um estudo, ou projecto, de calçada portuguesa. Perguntou : Gostas? Disse-lhe que sim.
Interroguei sobre o objectivo daquele estudo. Ele, com um sorriso, enorme, a esvoaçar nos seus olhos, disse-me: É a calçada que vamos colocar na Avenida Alfredo da Silva.
E, na verdade, pouco tempo depois, nasceu aquela calçada de folhas, deitadas desde a Praça do Monumento de Malangatana até ao fundo da Avenida Alfredo da Silva, folhas que começam maiores e depois vão reduzindo no seu tamanho, como que indicando o caminho, que conduz do centro da cidade até à paisagem do rio e de Alburrica.
A Avenida Alfredo da Silva, tem essa marca, essa beleza que nasceu e foi inscrita na gestão de Emidio Xavier, e, tendo na área de planeamento Luís Pedro Cerqueira, uma equipa que pensava a importância dos espaços públicos e o seu embelezamento no fazer e pensar o planeamento da cidade. É indissociável planear o território de uma cidade do pensar o território com uma dimensão estética. Uma cidade é para fruir quotidianamente.
E, recordo, que no mandato seguinte, na gestão de Carlos Humberto, CDU, esta forma de pensar e sentir a cidade teve continuidade, mantendo-se essa visão estética no planeamento do espaço urbano, quando do arranque do projecto de reconversão da Avenida Alfredo da Silva. Tem que ser assim, é sempre assim quando, no planear e pensas a cidade, é colocado como prioridade que as pessoas estão primeiro e não para os carros. Por essa razão, no âmbito das obras realizadas dentro de uma estratégia de ligar a cidade ao rio, nessa renovação do centro da cidade, deu-se continuidade ao projecto de calçada portuguesa inscrito na Avenida Alfredo da Silva, nascendo a segunda fase, com o mesmo estilo de elementos decorativos, como se fosse uma fotografia, com o seu positivo e o negativo.
A Avenida Alfredo da Silva foi, pelo que fui sentindo, um primeiro passo para embelezar a cidade, e criar um circuito urbano, no centro da cidade e sua envolvência com o rio, inscrevendo nos passeios a beleza da calçada portuguesa.
Foi assim que senti, quando mais tarde, no âmbito das obras do programa REPARA, na Rua Miguel Pais, na Rua Almirante Rei, no Barreiro velho e Avenida Bento Gonçalves, foi mantida essa estratégia de criar um circuito de passeios com a inscrição da calçada portuguesa.
Uma forma de dar continuidade, uniformidade paisagística, a um rota urbana, com sentido estético e forma de pensar, planear, e construir o espaço urbano, com o embelezamento dos passeios, quer na Avenida Bento Gonçalves, quer na zona da Rua Miguel Pais, com elementos iconográficos ligados ao rio – peixes e gaivotas estilizadas.
A calçada portuguesa embeleza o espaço urbano, inscreve nos lugares e sítios uma marca que, quando caminhamos o nosso olhar deita-se no ritmo das pedras.
Aquele circuito de calçada portuguesa é, de certa forma, um abraço do centro da cidade á sua zona ribeirinha. Tem uma harmonia que é necessária sentir com o coração.
Sinto isso, porque nasci e cresci na minha infância, numa zona ribeirinha, com calçada portuguesa, que existe há mais de 60 anos, e, ainda, nos dias de hoje, lá continua, ligando a cidade ao rio. Aquela calçada portuguesa de peixes e âncoras coloca a cidade no rio e o rio na cuidade. Aquela avenida,a junto ao rio, não era a mesma coisa sem aquele ritmo da calçada a tocar os passos de quem ali vive e de quem visita.
É uma marca cultural. É uma marca civilizacional. Um calçada feito de signos que são significados da cidade e a sua realidade natural. A calçada portuguesa é património público, aliás, é parte integrante do inventário português, classificada como Património Cultural Imaterial portuguesa, desde o ano 2021.
Foi com surpresa que verifiquei naquela zona, de onde observamos os Moinhos de Alburrica, está a ser retirada a calçada portuguesa e que será substituída por lajes. Uma calçada que foi colocada com o programa REPARA, no final do mandato da gestão de Carlos Humberto.
Fiquei triste. Lamento. Aquele sítio, no futuro, vai ficar mais cinzento, sem aquelas asas de gaivotas a voar nos nossos passos. É pena, porque, aquela foi uma intervenção no espaço público a pensar a cidade e o rio, a colocar as gaivotas a beijar os nosso pés. É poesia, pois que seja, porque uma cidade sem poesia, é uma cidade sem ternura. Aquela calçada era parte integrante de um circuito urbano, que pensava a cidade e o rio.
Agora, o que vai restar são lajetas, iguais a quaisquer lajetas, em qualquer lugar do mundo. É modernidade! É o desconstruir, sim é isso, o desconstruir que mais fácil, muito mais fácil que construir.
Todos sabemos que a calçada portuguesa tem custos de manutenção. Mas isso é óbvio! Por essa razão é necessário que sejam criadas as condições para garantir a sua preservação.
O que está a ser feito é uma escolha que se faz entre: ter uma cidade bonita e ter uma cidade feia. Uma cidade que olha para o seu espaço urbano sem uma dimensão estética, paisagística, é uma cidade que só pensa betão.
O Colégio Minerva, no Barreiro, colocou como projectoi-escola, neste novo ano lectivo, o tema Mund Art» apontando para uma reflexão sobre a arte no mundo, e, naturalmente, também procurando proporcionar uma abordagem sobre o mundo da arte no concelho do Barreiro.
No dia que marcou a abertura do ano, fui convidado, como Director do jornal “Rostos”, para num encontro com alunos falar dos contributos da comunicação local na divulgação das actividades artísticas e culturais.
Tudo surgiu a propósito de uma conversa sobre a obra de Kira, um artista plástico que é uma referência na vida cultural do concelho.
Quando entre no Colégio Minerva, foi com grande satisfação que, observei, no Hall de entrada, uma exposição com obras de Kira e outros artistas barreirenses, obras que são pertença de coleções particulares.
A professora, Inês Vasques, que conversou comigo sobre a minha participação no dia da aos recepção aos alunos, no começo de ano, e, suas colegas foram de imensa simpatia e colocaram-me à vontade para falar sobre o jornalismo local, as artes e a vida da cidade.
Era uma conversa com os alunos, duas turmas do 9º ano, um pouco sobre o jornal Rostos, e, de que forma promove a arte/projetos/cultura na cidade do Barreiro, bem como os artistas que se destacaram ou têm vindo a destacar-se na vida cidade.
E pronto, parti para a conversa, a olhar aqueles rostos de rapazes e raparigas, sorridentes, com a vida a fluir nos seus olhos. Falar do Barreiro entusiasma-me. Não é a minha terra, mas é a terra dos meus filhos e neta.
Recordei que o jornal Rostos, desde a primeira hora, tem um lema central – Damos rostos à cidade! Porque uma cidade é feita de rostos, de muitos rostos.
E, referi que esta cidade tem nomes inscritos na sua história e na história do nosso país, em diferentes áreas. Foi uma conversa de improviso, sem nada previamente estruturado, apenas uns nomes.
Comecei por recordar a “Canção do Mar”, cantada por Amália Rodrigues , Dulce Pontes, uma música conhecida internacionalmente, que foi uma criação de um barreirense – Ferrer Trindade.
Falei de Natércia Couto, do Lavradio, concelho do Barreiro, aquela que foi a primeira Maestrina de Portugal.
E a propósito da música salientei que nesta arte, o Barreiro, tem grandes tradições, e, continua a marcar pontos nos dias de hoje. Referi o Coral TAB, a banda de Música do Barrei
ro, a Camerata Musical do Barreiro, nomes históricos como Dulce Cabrita, Maria Guinot, Maria de Lurdes Resende, Fernando Farinha, ou actuais como Jorge Fernando, Marco Paulo, e tantos mais podia ter referido, até comentei a presença do Ruben, no Super Estrelas, e, escutei um burburinho – eu vi.
Não podia obviamente, deixar de falar de Augusto Cabrita, o grande Mestre da Fotografia e do Cinema. Recordei a frase dele: “A beleza está em todo o lado só temos que descobri-la”. A beleza disse-lhes começa no vosso olhar, no sentir, e, depois de sentir devem pensar. Estar na escola o importante é aprender a pensar, porque aprender a pensar é sermos nós mesmos. Isso é lindo. Comentei que existe no Barreiro, um grupo importante na área da fotografia – Clube de Fotógrafos do Barreiro.
O teatro, outra arte de referência na vida do concelho, com nomes na história como Mário Pereira ou Raquel Maria. E, nos dias de hoje, temos vários grupos em actividade. O Arte Viva. Logo alguém comentou tenho um amigo no Arte Viva. Falei do TEB e do Projéctor. Disse-lhe vão ao teatro. O teatro não existe sem público. O jornal Rostos procura divulgar e acompanhar este trabalho, nomeadamente, com as criticas dos espectáculos. Já davam um livro.
Não esqueci a escultura, recordei as obras do Camarro. Ou a Xilogravura do grande Mestre Manuel Cabanas. E na arquitectura, o nome de Cabeça Padrão, autor do projecto do Estádio Alfredo da Silva.
E, no mundo da escrita, são tantos os nomes com obra realizada, recordei Jorge Teixeira, João Liberal, Fernando Sobral, entre outros, que já partiram, mas, também os que andam por aí, Carlos Alberto Correia, Maria Jorgete Teixeira, Bruno Viera Amaral ou Armando Seixas Ferreira – o meu pai é amigo dele, disse alguém.
As conversas são como as cerejas, e, falei de mim, da minha neta Alice, que um dia deste comentava : O que sai da minha boca, as palavras, primeiro começam na minha cabeça!”.
E, aproveitei, a finalizar para lhes dizer que é isso que fazem os vossos professores, ensinam e ensinar é colocar as ideias, que são o saber, nas vossas cabeças, para depois cada de vocês de descobrirem. Por isso respeitem os vossos professores, amem a escola e amem o Barreiro.
Sabem, do Barreiro, temos a mais bela paisagem do Rio Tejo, sobre Lisboa, dali abraçamos Lisboa. E temos Alburrica, a Mata da Machada, o sapal do Rio Coina, isso, também e mundo da arte, é o nosso património natural.
E, pronto, por aqui fico, neste registo, através do qual de memória, procurei registar aquela manhã, de 13 de setembro, no Colégio Minerva.
Gostei, dos vossos cumprimentos, que foram fazendo à saída da sala, e, guardei dentro de mim os vossos intensos aplausos e sorrisos.
Morreu Manuel Fernandes, que começou sua adolescência desportiva no Estádio Alfredo da Silva, no Barreiro, com as cores do Grupo Desportivo da CUF, sagrou-se como o eterno Capitão do Sporting Clube de Portugal e honrou as cores de Portugal ao serviço da seleção, legou uma vida exemplar de amor ao futebol e à construção de amizades.
Um dia, no Estádio Alfredo da Silva, num encontro de apresentação da equipa do Grupo Desportivo Fabril, então Manuel Fernandes, na função de treinador do Vitória de Setúbal, no final de um jogo de futebol perguntei-lhe, qual a sensação que sentia ao regressar ao Estádio Alfredo da Silva, ele respondeu: ““Este é um campo que marcou a minha adolescência. Passei aqui seis anos maravilhosos, com gente boa, com gente experiente, com um clube com umas condições extraordinárias. É sempre bom visitar este estádio lindo. Era lindo, ainda está bonito, mas dantes era lindo.”
Senti que ser jogador, podia ser a minha profissão.
Igualmente, tive a honra de moderar, na Escola Profissional da Moita, uma conversa com Manuel Fernandes e Carlos Manuel, uma conversa para dar a conhecer aos alunos exemplos de vida e de paixão pela vida.
Nesse encontro com os alunos, Manuel Fernandes, recordou – “nasci numa aldeia humilde, a minha terra era uma terra isolada para lá chegar ia-se por estradas de areia”.
Salientou que desde muito novo – “senti que tinha vocação para ser jogador de futebol, enquanto os meus amigos de infância gostavam de brincadeiras de cow boys, eu gostava de jogar à bola. Eu jogava dois três jogos por dia. Senti que ser jogador, podia ser a minha profissão. Foi a minha mãe que me incentivou a ser jogador de futebol. Ela adora futebol, ainda hoje é a sócia nº 2, do Sarilhos”. A conversa realizou-se em 28 de Fevereiro de 2014.
Ter muito jeito não chega, temos que lutar
“Acho que quando temos vocação para uma coisa, devemos agarrar essa vocação para termos sucesso” – sublinhou Manuel Fernandes.
Recordou que aos 16 anos, vestiu a primeira camisola, integrando a equipa do Sarilhos Pequenos. Sarilhos Pequenos. Era uma terra com 700 habitantes.
“Eu tinha muito jeito” - sublinhou, acrescentando que – “ter muito jeito não chega, temos que lutar”, porque há muitas dificuldades pelo caminho.
“Fui treinar ao Sporting e ao Benfica e fui escorraçado” – recordou.
Manuel Fernandes, sublinhou que esses episódios não lhe retiraram a vontade de concretizar o seu sonho.
“Eu vou conseguir” – foi a afirmação que colocou a si mesmo, vindo a integrar o plantel do Grupo Desportivo da CUF.
Eu queria chegar ao clube do meu coração, o Sporting
Manuel Fernandes, recordou que, dedicou-se durante seis anos ao Grupo Desportivo da CUF.
“Eu queria chegar ao clube do meu coração, o Sporting. Sempre disse que queria representar o clube que eu mais gostava – o meu Sporting” – salientou.
“Eu sabia que um dia ia vestir aquela camisola. E vesti-a durante doze anos” – recordou.
Recorde-se que Manuel Fernandes foi, até aos dias de hoje, o melhor marcador do Sporting Clube de Portugal e o atleta com mais jogos ao serviço do clube.
Partilhar momento de convívio com Manuel Fernandes
Tive, igualmente a honra de partilhar momentos de convívio com Manuel Fernandes em encontros, no Estádio Alfredo da Silva, quer quando integrei o Conselho Geral do Grupo Desportivo Fabril, quer enquanto exerci o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Um homem de conversa afável, de grande simplicidade e respeito pelo outro.
Também, conversamos e partilhamos selfies, naqueles dias de disputa do Taça Cidade do Barreiro, que colocava frente a frente o Barreirense e o Fabril, os eternos rivais. O derby da cidade. Ele vivia com intensidade este encontros com a história.
Como sportinguista sempre admirei o nosso capitão.
Fotografia - Com António Pereira (Luso FC); Manuel Fernandes (Sporting e GD Fabril), José Augusto - «O Magriço» SLB e FCB Barreiro - 24 de Janeiro de 2017
Estamos em junho, este tempo que, no ciclo do tempo, antecede as férias, marca o final do ano lectivo, que, para alguns, assinala a hora de mudança, o adeus a um lugar onde se descobriu a vida, onde os sorrisos entraram pelo olhar, as palavras mergulharam em recortes de cor, e os sons foram cantados em coro, esse lugar, onde aprendemos a viver o sentido da partilha do tempo comum, do sentir comum. Esse lugar onde aprendemos a dizer: “Ele, ou ela, são meus amigos!”.
É a roda da vida. O movimento do tempo. Crescemos. Mudamos.
Vem tudo isto a propósito daquela festa de amor, gratidão e memória, que vivi, com sorrisos e umas gotas de sal a brilhar no olhar, no passado dia 15 de Junho, no Salão da SFAL, naquela festa de encerramento do ano lectivo do Jardim Infantil Xi- Coração.
Não podia faltar à festa da minha Alice, que, com antecedência comentava : “Avô eu vou estar no palco”.
Mas, quero dizer-vos, se gostei de ver a minha neta astronauta a dançar, a viver com ritmo e intensidade aquele momento de som e cor, a energia de todos a viver a música, a saltitar, a rasgar o futuro, esta manhã, de festa foi um tempo inesquecível. Uma viagem pelo tempo, por dentro do tempo que somos.
A São atarefada a dar energia à máquina do tempo. Uma geringonça a fazer lembrar o filme do “Regresso ao futuro”. Ela, verdadeiro cientista, a colocar o mundo em alvoroço. Uma festa dentro da festa.
Lá surgiram do fundo do tempo, vindos dos ovos que germinam futuro, os dinossauros, eles e as mães, numa viagem com o verde de esperança. Um momento de grande calor humano, de amor, de vida.
Depois, viajámos à idade da pedra para conviver com os Flintstones. Cenários criativos. Movimento. Ritmo. Avós, pais e mães, talvez, alguns revivessem os dias que, de olhos presos ao ecrã da televisão, divertiam-se com as peripécias da Idade da Pedra.
E, nesta viagem pelo tempo, chegaram os Vikings, com lutas e abraços. Rodas de ternura.
Um trabalho que, certamente, deu horas e horas de amor, nos bastidores para vivermos aqueles instantes deliciosos.
A viagem continuou com a nau dos descobrimentos, com a vida de marinheiros sonhadores de um país que se escreve com uma língua que se deitou nos oceanos. Um rigor de pesquisa de guarda roupa. Uma nau que estava pronta a navegar pelas tempestades do tempo. Um momento de grande beleza estética.
E rumo ao futuro, nesta viagem por dentro das memórias, da ternura de gerações, do legado que somos, do legado que partilhamos, foi a hora de viajar no espaço. Os astronautas. Ali, por Terra, Marte, Saturno. O espaço que somos. O sol.
E os e as astronautas estavam lindas. Cinco estrelas. Senti o coração a viajar no silêncio do tempo. Lá estava a minha Alice. Entusiasta. Dinâmica. Imponente.
E, nesta festa pelo espaço e pelo tempo, ainda houve tempo para receber a visita de marcianos, ou de viajantes de outro qualquer planeta, que descobriram a vida na terra. Um tempo colorido. Máscaras a lembrar o Carnaval de Veneza. Vida. Muita vida.
Ao longo deste belo espectáculo, marcado de criatividade, amor, ternura e memória, não faltaram os aplausos e a energia da plateia, todos vivendo a festa, com mais festa. Uma festa construída com o calor de quem vive o seu quotidiano a semear partilha nos corações. Educadoras, Auxiliares. A equipa do Xi- Coração.Foi linda a festa pá!
Uma manhã de emoções. De lágrimas de saudade a escrever futuro, naqueles momentos que foram entregues os diplomas aos meninos e meninas que, neste final de ano, vão partir para um novo nível de aprendizagem. Sentia-se a emoção a brilhar nos olhos.
E, para fechar esta manhã, neste tempo de tanta tristeza no quotidiano, de guerras na Ucrânia e em Gaza, de outras guerras anunciadas, sentimos, nascer, uma palavra que ficou inscrita no palco, em letras de ouros, em letras de sal, em letras de amor, em letras abraçam a vida – GRATIDÃO.
Antigos alunos do Xi- Coração, antigos pais e seus filhos antigos alunos, deram vida ao palco, com energia, para cantar, dançar e distribuir flores aos seus antigos educadores, e dar um abraço faterno. Um Xi no coração.
A São e a Paula, líderes deste projecto, um projecto de iniciativa privada, que contribui para formar homens e mulheres, nesta manhã, de junho de Dois Mil e Vinte quatro, receberam um beijo do passado a inscrever-se na saudade do futuro. Foi um momento que, senti com emoção e pensei: se há quem pense que no mundo por vezes falta a palavra AMOR, ela foi semeada e vivida naquela ternura que floriu em lágrimas e abraços. Afinal, é tão belo viver a palavra OBRIGADO!
E, nesta festa no tempo, onde o passado beijou o presente, e , o presente abraçou o futuro, a festa continuou com a força da palavra Liberdade. Essa liberdade que dá força à criatividade. Essa Liberdade que faz viver a palavra Gratidão. Essa Liberdade que é memória e, se escreve com amor ao futuro.
Em coro, todos, todos, pais, filhos, netos, avós, a comunidade Xi- Coração cantou em coro, aquele som vindo do tempo – uma gaivota voava…voava, a reviver Abril, 50 anos depois, ali, escrevendo que, afinal, somos livres, sempre que inscrevemos nas viagens pelo tempo, as palavras – Memória, Amor e Gratidão.
Obrigado Xi- Coração por esta manhã de partilha, de festa e de criatividade.
O meu Bairro – Urbanização dos Loios, no Lavradio, na época que foi projectado, era inovador, na qualidade de habitação e no seu interior, quase como um condomínio privado, estava prevista uma piscina que foi transformada em garagens.
A única zona verde mais ampla que existia foi destinada, por razões sociais, para uma comunidade com carências sociais, nos tempos da gestão CDU. Na época escutaram-se uns burburinhos, uns insípidos protestos, mas, as pessoas do Bairro acabaram por aceitar a solução, e aquele espaço público ficou vedado e exclusivo para os utentes da associação Nós. Serenamente todos acabaram por aceitar, à nossa porta, na nossa rua, aquela missão social, e, sem problemas, mas, o Bairro ficou sem um jardim, sem um espaço público para que os idosos pudessem dar um passeio, uma zona de lazer para as crianças. Sem um espaço verde, digno desse nome, porque a habitação tem continuidade na rua, e, todos carecemos de sentir a qualidade de vida espelhar-se no espaço urbano.
Quando em Março deste ano foi inaugurado, na zona do Alto do Seixalinho, ali, para a Avenida do Bocage, dito, num terreno abandonado, o denominado de “Bosquete do Bocage. Achei uma boa ideia.
Na altura pensei, ora aqui esta uma boa solução, para a minha rua, para o meu Bairro, que não tem um jardim, é, também, um bairro de betão, que carece de uma zona verde, e, naquele espaço abandonado, será que a autarquia não podia pensar criar mais um denominado “Bosquete”.
Fiquei com esta ideia a remoer e, hoje, ao observar aquele terreno, achei que devia colocar a ideia para reflexão. Que giro era termos direito a um espaço verde a um jardim, à nossa porta, no nosso Bairro – o “Bosquete dos Loios”.
Vou lançar ideia no Bairro. Vou lançar o repto para que nos juntemos e defendamos o direito a termos um espaço verde.
Ontem fui fazer uma colonoscopia no Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Nª Srª do Rosário, no Barreiro. Nada de outro mundo. Até porque, a equipa que nos recebe, sem dúvida, procura desde o primeiro momento criar um clima de afectos e simpatia.
Mas, este exame começou dias antes, na dieta de caldos, e, na recta final, a preparação com aquela bebida para limpar os intestinos. Uma noite quase sem dormir, um cansaço nos olhos, uma ansiedade nos nervos. Aquela angústia do desconhecido. Sabia que o exame era realizado com anestesia total. Coisa normal, para quem, ao longo do ano, certamente, vive esta realidade como uma tarefa sem qualquer risco. Mas, há sempre um mas, principalmente para o utente, que pela primeira vez entra nesta realidade.
A juntar à fome, resultado da dieta rigoroso e da dita preparação, acrescenta-se a angústia da incerteza.
Na tarde de ontem, tudo começou na realização de um electrocardiograma. Está tudo normal. Sigo. No corredor alguém passa por mim com lágrimas nos olhos. As macas transportam doentes de um serviço para outro, ou para o RX, ou para o Laboratório de Análises. Muitos rostos de idosos.
Observo. Penso. Recordo a conversa que, momentos antes, por ali, um funcionário comentou comigo: “Sabe, o mal de tudo isto é que os serviços de saúde vivem a realizar acções de tratamento da doença, quando a linha principal devia ser no prevenir a doença. Sabe, o que você vai fazer é isso mesmo, observação e prevenção”.
Ao escutar estas palavras, na verdade, recordei os dias que, recentemente, passei nas Urgências. A dor dos gritos. As lágrimas. Um roda viva permanente de luta pela vida. As alegrias de se saber que alguém estava a renascer, depois de uma situação complicada. Ali estava a minha cidade envelhecida. Rostos marcados por rugas da vida. Homens e Mulheres que fizeram este país, ser este país, que fizeram esta cidade, ser esta cidade. Agora, no limite, em sofrimento, restas-lhe bater à porta do Hospital, quando, na verdade, deviam viver de forma airosa a velhice na alegria dos dias, no convívio e fraternidade.
Deviam, isso sim, existir estratégias de promoção do envelhecimento activo, de valorização do saber dos idosos através da partilha intergeracional, devia apostar-se na tal cidade dos afectos, através da promoção da Saúde Pública – espaços verdes, transformar as colectividades em Rotundas da Cidadania, dinamizar a prevenção através do enriquecimento dos Cuidados Primários de Saúde. Enfim, sonhos.
Quando tudo isto falha, depois, a realidade social bate à porta do Hospital. E, por fim, lá temos o bode expiatório a funcionar, as críticas ao dito mau funcionamento do SNS, que absorve no limite o que devia ser preventivo.
Ocorreu-me tudo isto ao escutar as palavras do funcionário, cansado de funcionar, enquanto estava, por ali, sentado no corredor a aguardar a minha vez. Uma espera normal. Aguardei pela hora agendada.
Os funcionários na hora de mudança de turno, quer da enfermagem, quer do pessoal auxiliar, passavam no corredor, conversavam, uns a sair do serviço, outros a entrar, falavam da vida pessoal, riam, partilhavam a vida, sentia-se o movimento daquela rotina diária, a vida de um mundo imenso, esse onde as horas de angústia cruzam-se com horas de alegria. Estar diariamente, entre a vida e a morte, com serenidade. Uma vida profissional de grande dignidade. Admiro.
Sentia fome. Ao meu lado falavam de petiscos, de doces, de bolinhos, de bebidas. Fui escutando. O meu cérebro deliciava-se. Por fim, não resisti: “Vocês devem estar a gozar comigo. Eu cheio de fome e vocês só falam em comida e doces”.
Riram-se. Começaram a falar em roupas.
O tempo passava. Será que acordo da anestesia geral? Interrogava-me. Coisas de leigos. Medos. Ansiedade. O desconhecido agita sempre os nervos. Eu perdido neste silêncio de interrogações. Angústia. Um amigo veio cumprimentar-me. E lá começou a conversa. Já fiz esse exame três vezes. Ri. Tecia comentários que tinha gostado. Fazia gestos. Falava que não sentiu dores. Que não custava nada. Eu escutava as palavras dele, distantes de mim, ele continuava a partilhar as três experiências vividas. Escutava, mas, por fim, quase que só sentia o rumor de um som a sair do movimento dos seus lábios.
Mas, ele, querendo expressar a sua solidariedade, continuava, repetia a dose. O exame é assim, o exame é assado. Voltava a rir. Fechei os olhos e encostei-me para trás, ele, serenamente, voltava a repetir as estórias e gestos. Falava. Falava. Falava. Por fim, deitei-me no meu silêncio e deixei de o ouvir. Lá decidiu partir, deixando os votos das minhas melhoras – “Não vai doer. Vai correr tudo bem. Não vais ter problemas” E voltava a rir divertido.
Lá continuei sentado. Se estava ansioso, aquela conversa, de facto não veio reduzir a minha angústia. Eu, naquele momento, queria apenas e só, tranquilidade. Silêncio.
A hora chegou. Escutei: “António Pereira”. Lá fui. É agora.
Entrei. A enfermeira disse-me: “Senhor António, dispa-se. Coloque esta bata. Pode ficar com meias”.
Pouco depois, lá fui, pelo corredor do serviço, rumo ao local onde iria ser realizado o exame. Entrei deitado na maca. Boa Tarde. Sorrisos. Perguntas. Correu bem a preparação? É alérgico a alguma coisa? Está tudo bem? Volte-se. Fique de lado. Encolha as pernas. Tudo com imensa simpatia. Procurando colocar-me à vontade.
“Este senhor é do jornal Rostos”, diz uma enfermeira.
Depois, a enfermeira que me recebeu, vem junto de mim, e diz: “Senhor António, agora vai dormir um pouco”. Foram segundos. E zás.
Acordei, de novo, no local onde tinha entrado. “Senhor António, pode acordar. Levante-se devagar. Vista-se e pode sair”, disse a enfermeira.
“Sente-se bem?”- interrogou. “Sim. Já aqui estou. Olhe, sei que dei um passeio na Avenida da Praia. E sonhei com o Mário Soares.”, comentei.
Vesti-me. Tudo normal. Um pouco zonzo. Uma leve tontura. Nada de anormal. Não dei por nada. Tudo com eficiência e eficácia. Um exame feito de forma exemplar. Parabéns à equipa do Serviço de Gastroenterologia. Obrigado!
Entregaram-me o resultado do exame. Penso que esteja tudo bem. Interroguei: “Já posso comer?”. “Sim, não beba bebidas alcoólicas”, disseram-me.
De novo no corredor. As macas continuavam a circular. Outros utentes entraram para o exame. Um mundo que pulsa e não para durante as 24 horas.
Ali, sente-se a vida da cidade, por ali passa muito da vida da cidade – do nascer ao partir.
Olho para trás, quando já estou na rua, ali, olho e penso, sobre a importância deste hospital e na sua centralidade na Península de Setúbal.
Ah, é verdade, deviam começar a reflectir sobre o seu papel no futuro, com a Terceira Travessia do Tejo, com o aeroporto, com a ponte a ligar o Barreiro ao Seixal, sem dúvida, este Hospital, que serve uma região que abrange os concelhos de Alcochete, Barreiro, Moita e Montijo, vai ser um equipamento estratégico central. Pensem nisso.
Escrevo esta crónica, para dizer, que tenho contado, sempre que a doença bate à porta com o apoio deste serviço público, quer pela sua competência, quer pela sua eficiência. Ontem, mais uma vez, senti isso, tinha que o escrever. Obrigado!