No dia 28 de junho - Feriado Municipal – no Auditório do Teatro Projéctor, fui assistir ao espectáculo «A nossa peça», realizado por uma Turma da Escola Secundária Augusto Cabrita, no âmbito de uma pareceria integrada no projecto das Comunidades em Acção.
"A nossa peça" é um trabalho colectivo, concebido pelos alunos, uns nascidos em Portugal e outros oriundos de vários países: Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
O espectáculo que foi o exercício final de um programa de formação teatral, espelha a experiência daqueles alunos nesta viagem pelo mundo do teatro.
Como referiu Abílio Apolinário, o projecto proporcionou aos particiapantes conhecer o teatro nos seus bastidores, da luz ao som, do texto à interpretação, e, todas essa experiência resultou na criação, pelos próprios de uma peça teatral que sobiu a cena protagonizada no contexto de um Festival Internacional – “Oscário do Barreirense”.
Os actores e actrizes, foram desfilando relatando histórias das suas vidas, enquadradas em contos tradicionais, lendas dos seus países, animadas com músicas e danças tradicionais. Todos subiram ao palco para participar no “concurso”, apresentadas por uma apresentadora, que, no final, ela própria candidatou-se ao prémio final – “votem em mim”. O júri foi o público convidado a participar expressando, cada um a sua escolha sobre qual a melhor interpretação. Contados os votos, numa máquina de cartão, ligada às novas tecnologias, o resultado foi instantâneo. Aberto o envelope com o resultado, em letras garrafais, estava determinado o vencedor – TODOS!
Um laboratório de magia
«A nossa Peça» proporciona aos participantes mergulharem no “laboratório” e na “magia” do mundo do teatro, e, de forma perfeita conseguem transmitir para quem está na plateia um olhar sobre o mundo, sobre a vida, sobre as tradições, sobre as memórias e lendas que passam de gerações em gerações. Interpretam as personagens muito bem, nalguns casos, criam a ilusão estética que não se sabe se estamos a viver ficção ou perante estórias reais.
Ali aprenderam a colocação no espaço cénico, o sentido da luz, a vivência da personagem que começa no sentir e viver as palavras por dentro do corpo e nas expressões. Os bastidores. O público.
Sim, senti que aprenderam e viveram o teatro como uma experiência na qual valorizaram-se como pessoas, e, acima de tudo vos uniu enquanto grupo, nas diferenças e no que encontram de comum forjando a amizade.
Sente-se isso, quando no final é projectado o vídeo das situações vividas ao longo do projecto, a forma como criaram laços de cooperação, de entre ajuda, nos sorrisos, nas galhofas, nas tropelias, que vão guardar para a vida.
Para além da experiência teatral e da aprendizagem da cidadania, da descoberta do rio, da natureza, do encontro com a cidade e os seus lugares, este projecto é, sem dúvida, uma prova evidente como, neste Barreiro, do século XXI, cada vez com mais forjado de gente oriunda, não de diversos pontos do país, como aconteceu no século XX, mas, agora, de muitas gentes oriundas de diversos pontos do mundo, aqui, nesta cidade se integram e descobrem um tempo novo, num mundo novo.
“A nossa peça» é um exemplo como deve existir uma aposta na valorização da multiculturalidade, e, como a escola e a sua relação com agentes culturais, é uma ferramenta central para a integração, para a partilha de saberes e experiências e vivência da cidadania.
O humanismo não é uma realidade meramente teórica, o humanismo vive-se no quotidiano, foi isso que senti, ao longo da vossa peça. O vosso espectáculo é uma lição de humanismo, uma partilha de culturas e de saberes ancestrais, com lendas e contos tradicionais dos vossos países, histórias que nos ensinam, a nunca desistir e nunca deixar de sonhar.
Obrigado pela vossa energia. Foi, sem dúvida, uma bela forma de celebrar o Dia da Cidade.
Estão de parabéns o Projéctor, a Escola Augusto Cabrita e, naturalmente, quem proporcionou a vossa experiência. Era importante que estas iniciativas não ficassem apenas pelos programas apoiados pelo PRR, e, sim, fossem parte integrante de uma estratégia local de ligação da escola à comunidade.
Acredito que, desta forma, proporcionava a alunos vindos de diversos partes do mundo, a possibilidade de viver uma experiência enriquecedora.
As escolas são uma realidade viva do concelho, com programas desta natureza, de forma prática – juntando a aprendizagem à vida e de forma natural e cultivando amizade, os alunos descobriam a cidade que somos, os seus lugares e, hoje, como ao longo dos anos, sentir que o Barreiro, foi, é, uma cidade de muitas gentes vindas de muitos lados.
Parabéns. Foi uma noite de teatro ligado à vida. Obrigado.
Ontem, ao fim do dia, pelas 20 horas, registou-se um incêndio numa residência, localizada na zona em obras, na Rua Miguel Bombarda, no centro do Barreiro.
“Ouvi a sirene. Fui à janela e vi a senhora sentada, no meio das obras a aguardar a ambulância”, comentou uma residente, que nos enviou a fotografia que editamos e outras.
A residente naquela artéria, no comentário que nos enviou, conjuntamente com as fotografias, diz-nos que – “Já me queixei a Câmara pelo facto de a minha rua não dar acesso a ambulância”.
Do que observou, no decorrer do acontecimento de ontem, disse-nos nos seus comentários: “Estou incrédula e revoltada com a falta de humanidade” ao ver “a senhora sentada no meio das obras à espera da ambulância”.
A rua em obras impedia que as viaturas circulassem e uma estacionada impedia que outra pudesse circular ou passar.
Todos sabemos que as obras são importantes e necessárias para melhorar a qualidade de vida das cidades, mas, o que temos vindo a assistir, neste ano, é a uma febre de obras, que colocam a vida da cidade ao nível de circulação de trâssito num caos.
As obras são necessárias, mas, as mesmas devem ser programadas, com calendários e preocupações que permitam que a vida da cidade decorre, dentro do possível com normalidade, realizadas nos prazos programados, e, naturalmente garantindo as condições de segurança e mobilidade.
“Desculpe estas as mensagens”, referiu a leitora do jornal Rostos que estava incrédula e indignada com tudo o que se passava na frente dos seus olhos. Viaturas que impediam outras de passar – “nem uma ambulância aqui entrou”, disse.
Obras durante 90 dias no Alto do Seixalinho
Mas, a propósito de obras, igualmente, recebemos comentários de residentes na zona do Alto do Seixalinho que, foram informados de obras que vão decorrer nos próximos 90 dias, situação que dizem-nos impede a normal circulação de autocarros naquela artéria.
A indignação expressa nos comentários é imensa, dizem-nos que tem sido uma constante de cortes de trânsito de cortes de interrupção do abastecimento de água e há uma onda de protestos.
Sem dúvida, as obras são necessárias. É verdade que as obras causam sempre transtornos. Há obras inadiáveis. Há obras que podem ser calendarizadas.
Em tempos idos, na gestão de Pedro Canário, recordo que existiu um ano de febre de obras, e, sublinho eram obras que nem causavam o impacto na mobilidade e nas vivências quotidianas da vida da cidade, mas, pelo contrário eram obras estratégicas, pensadas para fazer futuro, nomeadamente a construção do AMAC, o Parque da Cidade, as novas Oficinas dos TCB e o alcatroar de ruas que estavam esburacadas ( coisas daquele tempo, sim, o tal, que o Barreiro não existia).
Na época, a propósito das muitas obras, na altura em artigos publicados, como director do Jornal do Barreiro, comentei – “que nem só de obras vive uma cidade, numa cidade há pessoas e é preciso pensar as obras e pensar a vida das pessoas”. Isto aconteceu, no ano dito com mais obras realizadas pela gestão CDU, e, no final desse ano, ano eleitoral, Emidio Xavier, PS, ganhou as eleições.
Uma lição que devia ser aprendida “nem só de pão vive o homem”.
Esta manhã realizou-se o funeral de António Gama «Kira», o artista plástico que levou o Barreiro pelo país e pelo mundo. Foi entre aplausos que amigos e familiares disseram adeus ao Kira, na saída do seu corpo na Igreja de Nª Srª do Rosário, e, na despedida no Cemitério de Vila Chã.
Kira é um nome indissociável das memórias culturais do concelho. Um criativo que amou a palavra Liberdade. Um homem das artes, da vida e da cidade. A cidade de gente vinda de muitos lados.
No Cemitério de Vila Chã, curiosamente, seu corpo desceu à terra, num talhão localizado em frente do Jazigo onde está o corpo do seu amigo e eterno companheiro o Augusto Cabrita. Os dois que viveram a palavra amizade por dentro dos olhos, inscrita nas paixões e da beleza que dá sentido à vida.
“Faz este quadro em grande. Pinta em grande, porque Tu és grande”, disse-lhe um dia o Mestre Augusto Cabrita.
Dois inseparáveis amigos, agora, ali, na Vila Chã, estão ao lado um do outro, na terra que eles amaram e à qual deram tudo de si, sem querer nada em troca, apenas o reconhecimento e o direito ao não esquecimento.
Viveram com amor. Serviram o Barreiro e do Barreiro quiseram, apenas, receber a palavra gratidão.
Foram muitos os amigos que, hoje, estiveram presentes na despedida de Kira, alguns vindos de longe, de muito longe, para, nesta hora, dar um abraço com o coração e expressarem a ternura vivida na palavra fraternidade..
No instante que abriram a urna, ali, de pé, na sua frente, olhei seu rosto marcado de uma luz de serenidade. Tranquilidade. Pureza.
Escutei o silêncio aquecido pelo sol abrasador. Três pássaros esvoaçaram, no céu azul. O vento deslizou no olhar.
Na minha mão, transportava um cravo vermelho e uma “geribera” amarela.
Coloquei o cravo na urna, sobre os seus braços, e disse-lhe: “A Liberdade que tu amaste. Barreiro.”
Coloquei a “geribera” sobre os seus braços, e disse-lhe: “A beleza que tu criaste. Alentejo. Obrigado Kira.”
E, nesse instante, entre aplausos, a tua família e amigos, despediram-se de ti. Teu corpo, desceu à terra…mas, tu, estás cá entre nós a sorrir!
Acredito que, logo, ao por do sol, os dois Mestres – Tu e Ele - vão sentar-se, divertidos, a falar de muitas histórias, dos Concursos Barreiro Florido, das noites na Barrind, nas conversas no Kira Bar, nas exposições para comer, na fotografia da bicicleta, nas caracoladas no Largo Casal, nas viagens no barco, no dia-a-dia, rumo a Lisboa. Na alegria que vocês colocavam na vida, na forma como amavam a vida. Viver é preciso! Na ironia. Na ternura. Nas viagens de cumplicidade.
Vão recordar e vão encontrar-se com o António Monginho, cujo centenário de nascimento, agora, foi celebrado. O poeta que tu, Kira, trouxeste à luz do dia. Falou-se nisso na sessão da Biblioteca Municipal. Falou-se de ti e do Monginho. A vida de estórias que se cruzam do Alentejo ao Barreiro.
É isso, de certeza, que vocês – Kira, Augusto Cabrita e António Monginho, vão continuar a manter vivos os sonhos que fazem sentir a beleza infinita da eternidade. Afinal, é por esse sonho do belo, do sublime, que se faz poema, que nasce arte, que humanidade se faz eternidade e, em cada presente, entra pelos olhos de quem sente a vida no pulsar dos ossos com amor.
Uma luz que brilha de velas soltas ao vento.
É esse o lugar dos poetas e de todos os que escrevem a vida com a palavra Amor.
Olho, serenamente, a fotografia. Esta que edito, aqui, a acompanhar este texto. A fotografia que regista o nosso último encontro. Recordo aquele instante. A tua pose poética. Sereno. O olhar a penetrar a objectiva. Vertical.
A consciência que uma fotografia é um instante que regista a eternidade. Memória. Enquanto focava, penetrei na cumplicidade do teu olhar. Escutava, através da lente, as palavras que transmitias no teu silêncio. É isso. verticalidade! Tranquilidade!
Tinhas acabado de celebrar os teus 80 anos. Levei um bolo para soprarmos as velas e cantarmos os parabéns. Os dois, ali, ao meio da tarde, naquele recanto da tua e nossa cidade, festejamos a vida. A vida que está inscrita nesta cidade que abraçavas no teu coração e guardavas nos ossos da memória.
Sorrimos. Tu, tal como eu, sabemos que o melhor da vida é sorrir. Sorrir e Amar.
Tinhas acabado de assinalar os teus 80 anos. Neste ano de 2025, afinal o ano que marca tua partida rumo à eternidade.
Por vezes, entre nós, bastava um olhar para comunicarmos as lágrimas ou alegrias. Tantas recordações. Tantas histórias. Momentos que tu sabes e eu sei que sabes, e tu sabes que eu sei. Partilhámos. Conversámos. Festejámos. Ali, no Atelier da Recosta. Ou no nº 10, do Bairro de Santa Bárbara, que, afinal, devia ser pensado como um espaço para criar um “Atelier Memorial do Kira”, numa iniciativa conjunta da Escola Profissional Bento Jesus Caraça, o Espaço Memória e o Arco Ribeirinho Sul. Um espaço vivo. Memória com futuro.
Não concretizámos a exposição que sonhámos. Mas, acredita, havemos de realizar esse sonho, com os teus desenhos e o teu espólio que conseguimos guardar no Espaço da Memória.
Nesse último dia, que nos olhamos, olhos nos olhos, depois de festejarmos o teu aniversário, fui até ao teu quarto. Sentado na tua cama passei, um a um os teus desenhos, os teus últimos trabalhos, feitos de esperança, de amor, de fraternidade. Fotografei vários.
“Há dois estilos diferentes”, dizias, sentado na cadeira de rodas.
Sentia-se essas diferenças. Nuns as cores davam dor à solidão. Noutros o colorido dava amor à vida.
Sabes Kira, tu és enorme. A tua obra espalhada por diversos recantos do mundo, merece um dia que seja editada uma antologia critica e histórica. Tu és parte integrante do património cultural do Barreiro e de Portugal. Está em ti o surrealismo, o impressionismo, o modernismo assim como o realismo. Existe um estilo próprio de luz, cor e profundidade do espaço, de contrastes, de sátira e critica social. Não és neutro. A tua arte tem uma dimensão hermenêutica – sentes, pensas e interpretas o tempo que vives. Os lugares. As pessoas. O mundo. Os valores. O divino. Tinhas crenças. Eu sei.
Além de artista plástico, tens trabalhos maravilhosos em cerâmica. E tinhas o dom da escrita, uma escrita que cativava os nervos. Os teus livros, editados e desconhecidos, são hinos ao amor. Obras que mereciam ser reeditadas, pela actualidade, pelo afecto que transmitem, pela sensibilidade que toca a raiz do coração.
Os teus cartoons espalhados em vários jornais são irónicos, pejados de critica social e fruto de uma autor que escolhe sempre um lado da barricada. A liberdade.
Um dia entrei no teu Atelier na Recosta. Estavas a produzir uma série de quadros dedicados a diversas personalidades. Antero Quental. José Saramago. Fernando Pessoa, e muitos outros.
Olhei um quadro fixamente. Perguntas-te: Quem está neste quadro?”. Olhei e respondi. “Fernando Pessoa”.
“O quadro é teu, leva-o. Foste a primeira pessoa a identificar este quadro”, comentastes. Tenho quadro na minha sala. Uma obra esplêndida. Sublime. É o Pessoa na sua obra a Mensagem. Cumpriu-se o Mar. Falta Cumprir-se Portugal.
Tu sabias, que entre nós, bastava um olhar para comunicarmos as lágrimas ou as alegrias. Foram muitos momentos de cumplicidade. Nunca irei esquecer a vida que partilhámos. Os instantes que abracei as tuas lágrimas. E os instantes que vivi a tua felicidade, por exemplo, naqueles dias que transformas-te o teu atelier na Recosta, como uma galeria de referência na AML.
Por duas ou três vezes pediste para escrever textos para catálogos de tuas exposições. Lias os textos, ao meu lado, e, por vezes vi lágrimas de alegria descerem nos teus olhos. Recordo um desses instantes junto ao Bar da Mila, a tua amiga, que deves ter encontrado por essas bandas, aí, onde estás divertido a olhar para os acontecimentos do nosso quotidiano.
Quando te ofereci o meu livro – “Nu, silêncio escrevo-te!”, depois de o leres disseste: “Tu és um poeta e um filósofo”. Mandei-te, como sempre, para um tal sítio. Rias.
Eras um homem bom. Eras um homem que dava tudo de si e só pedia em troca amizade.
Tu para mim eras enorme. Um génio. Tinha uma profunda admiração por ti e pela tua obra. Tinha orgulho de ser teu amigo. Estava lá, sempre, nas horas boas e más. Discutíamos. Conversávamos. Soubemos sempre manter a pureza da amizade, essa que nasce na sabedoria que começa no respeito pelo outro, e pelo respeito da personalidade de cada um. Como eu te dizia, a minha Liberdade não acaba em ti, em ti começa a minha Liberdade.
Tu és um criador que nasceu antes de tempo e fora de tempo. Amavas a vida. Amavas amar a vida. Amavas amar. Tinhas no teu coração a ternura, a ironia. Não tinhas preocupação em gerir imagem, em cultivar imagem. Vivias. Amavas viver.
No silêncio da planície alentejana descobriste a beleza da profundidade das paisagens, do olhar que se perde no infinito, do sentido que sempre colocaste nos teus dias, viver o futuro em cada presente, na luz do sol ou do luar.
No Barreiro, encontraste as cores do Tejo, a s miragens de Lisboa, as artes do rio, o esplendor de Alburrica e a força da luz que nasce na palavra fraternidade. Eras um poetas.
A tua arte era a tua interpretação do mundo, dos instantes, observavas a vida, sentias com os teus olhos as emoções e colorias com as tuas mãos as telas da vida. O tempo e o modo. O aqui e a agora. Choravas em silêncio com as cores a colorir as asas do teu maior amor. Ela estava lá sempre na tua obra. Discreta. Uma pomba.
Tinhas acabado de celebrar os teus 80 anos. Sopramos as velas e cantámos os parabéns. Fotografei o instante. Ontem, por mero acaso, estava a guardar a tua fotografia numa pasta do meu computador. Uma pasta que tinha como título «Recordações». Ficaste junto ao nosso amigo Francisco Moura. Nesse instante, toca o telefone. Era a Fátima a dar a triste noticia. Olhei a pasta de arquivo e lá estava tu e o Chico na pasta «Recordações». Disse para a Fátima : Fo..-se!
Chorei, olhando os teu olhar, só, no meu recanto, em silêncio...
15 de Junho de 1977 - Faz hoje 48 anos que nasceu «O JORNAL DATERRA». Um sonho de comunicação social local. Um sonho que se manteve quase durante uma década. Um dia findou. Era inevitável.
É importante olhar o passado, sem nostalgia, mas com esse olhar de sentir nos nervos um tempo percorrido, um tempo de aprendizagens, de aventuras e paixões.
«O JORNAL DATERRA» foi o meu primeiro amor na imprensa regional barreirense. Quando viajo no pensamento por aqueles dias sinto como, na verdade, é possível erguer projectos, dar-lhes alento, renovar, inventar, agitar a vida de uma comunidade, desde que exista uma energia que motive a vontade – Amor. Ou, talvez, ser poeta das palavras. Até um dia, porque como dizia José Gomes Ferreira – ser poeta todos os dias também cansa!
Os dias de «O JORNAL DATERRA» foram dias de aventura, de sonhos, ilusões, coisas reais, dedicação.
Um tempo vivo que permitia sentir os dias, a pensar o quotidiano, a fazer cidadania.
Um tempo de amar a vida e sentir os sonhos a florir.
É com intensidade nos nervos que recordo. É sem dúvida um tempo que não esqueço, afinal, nunca esquecemos as lições da vida, vividas por dentro da vida.
Tantas iniciativas. Edições diárias no decorrer das Festas do Barreiro. Ir pelas ruas vender jornais para obter, com a venda dos jornais, verbas para pagar à tipografia.
Na verdade, para editar um jornal, com sentido de lhe dar continuidade, é fundamental ter recursos financeiros, para criar equipa, e, ter uma redação que dê sentido aos objectivos editoriais. Isso exige muita capacidade ao nível de capital, que dê suporte à verticalidade editorial.
Por essa razão, para viver no mundo do jornalismo o direito de abraçar a Liberdade, exige muita criatividade e energia para motivar a vontade perante tantos e tantos desafios.
Era isso que procurava fazer, com todas as limitações. Promover as Conferências «Barreiro: Que futuro?», onde os diversos partidos ao nível local deram os seus contributos e na última conferência participaram Deputados da Assembleia da República e um representante do Conselho da Revolução.
As «Conversas de Sábado à tarde», que eram tertúlias temáticas, com convidados, com diferentes pontos de vista, para reflexões sobre a vida local – do teatro, ao associativismo, da cultura ao desporto. Conversas animadas, vivas e participadas. Conversas que agitavam a vida local e, por vezes, o mensageiro – promotor do evento – sentia na pele a pressão, vinda da vida. A vida real, ontem como hoje.
Há sempre quem não goste de escutar opiniões diferentes.
Os Torneios de Futebol de Salão, no Pavilhão da Escola Álvaro Velho, com dezenas de equipas, de todo o concelho. Uma festa que enchia as galerias todos os fins de semana durante algumas semanas. Por vezes, encontro antigos participantes, jogadores ou árbitros, que comentam: “Sousa Pereira, lembras-te do Torneio do Jornal Daterra”.
Eventos que promovíamos com colectividades ou outras entidades. Tempos loucos, esses de fazer omeletes sem ovos. É assim, ontem como hoje.
O sonho de mudar o mundo, ou, mais justamente: o desejo de fazer um mundo melhor, com diálogo e respeito pelas diferenças.
Mas, isso é tão difícil. No entanto, apesar de tudo, ainda, acho que tal é possível, mesmo nos dias de hoje, marcados pela arrogância e pedantismo, digo-vos, continuo a acreditar, não sei se por ingenuidade, ou, apenas, por acreditar que, na vida, ainda, tem sentido viver a palavra fraternidade.
Faz hoje 48 anos, andei pelas ruas, colectividades, Comissões de Moradores do concelho do Barreiro, a distribuir a Folha de Promoção de «O Jornal Daterra». Tenho a coleção do jornal toda encadernada. Quando percorro aquelas páginas tantas histórias e memórias estão ali inscritas.
Protestos, contra os maus cheiros da Vala das Ratas.
Os autocarros dos TCB vão parar porque não há dinheiro para a gasolina.
Entrevistas. Na primeira edição, com Helder Madeira, presidente da Câmara Municipal do Barreiro, e, outra com Lopes Cardoso, dirigente nacional do PS, que tinha criado a Fraternidade Operária. Estive na casa dele em Lisboa, perto da Fonte Luminosa. Uma tarde agradável, vivida numa conversa sobre o tempo que vivíamos. Um tempo de tantas contradições.
Bom, mas esta nota foi escrita apenas para recordar esta efeméride – 48 anos.
Talvez, lá para os 50 anos de evocação de «O Jornal Daterra», se tiver saúde e vida, ainda possa editar um trabalho evocativo deste projecto jornalístico local, que, na verdade, foi um sonho resiliente e, que, perante a realidade epocal, foi uma marca inscrita na vida barreirense.
Sim um dia contarei…as histórias dos dias de «O Jornal Daterra». Uma micro-história que também faz a história da comunidade.
Tantas histórias e tantas pessoas, porque um jornal, seja ele qual for, e tenha a dimensão que tiver, inscreve, sempre, nas suas páginas, e, no seu tempo de vida, a sua história e a história de muitas pessoas…as contradições e as ficções de todos os tempos. Um jornal local é sempre, no futuro, um pouco do que resta da nossa memória colectiva.
O JORNAL DATERRA existiu, um dia findou, é assim a vida, os jornais, como tudo na vida nasce e um dia morre. É a lei da vida.
Mas, digo-vos, o importante é, enquanto se vive, viver-se de pé, com dignidade. É tão lindo!
Foi sobre tudo isto que um dia mantive uma conversa, com o meu amigo Cabós Gonçalves. Esclarecemos. Ele partiu dias depois da nossa conversa no Hospital. Levou com ele um sonho que construiu o jornal «Proposta». Um jornal que nasceu dias depois de «O Jornal Daterra», e, morreu na sua segunda edição, semanal. Falámos sobre tudo isso.
É assim, eu, um dia também vou morrer e levarei comigo o sonho de cerca de dez anos de «O Jornal Daterra», que foram vividos há 48 anos, e, também levarei estes dias de sonho do jornal «Rostos», a caminho dos 25 anos. Naturalmente, levarei também os dias vividos no Jornal do Barreiro. Páginas de vida. Quem vive por amor não cansa.
O Jornal Daterra viveu e morreu de pé!
Espero, igualmente, eu próprio, um dia morrer de pé.
Ontem, no Montijo, estive presente nas IV Jornadas de Saúde Sénior, tendo como temática «Viver mais com Saber». Uma tarde de aprendizagem. Um encontro que contou com mais de 200 pessoas, que viveram o evento com entusiasmo, divertindo-se com os momentos culturais e interrogando os prelectores convidados.
Aceitei o simpático convite para integrar o painel da Mesa Redonda que tinha como tema – “Envelhecimento Bem Sucedido”. Foi uma troca de opiniões em torno de experiências vividas, numa conversa moderada pelo jornalista Carlos Anjos, que sublinhou a sua ligação à Universidade Sénior do Montijo, onde dá aulas, partilha conhecimentos e forja amizades.
António Crespo, engenheiro, centrou os seus comentários na importância da qualidade de vida e sermos felizes. É professor de Dança e, para ele, este hobby, é um contributo para se manter activo, e, viver com a comunidade uma paixão que o motiva treinar diariamente com alegria e satisfação.
Maria João Carmo, professora de Educação Física, sublinhou a importância de sair de casa, “toda a gente deve fazer caminhadas”, apesar de aposentada, afirmou, que quer continuar a fazer as coisas que gosta, porque, “quero trabalhar até morrer”, e sente que com a sua actividade “ajudo as pessoas”.
Tomei umas notas tendo por finalidade orientar algumas ideias que poderia partilhar no painel, mas, nestas coisas, como as conversas são como as cerejas dispersamos.
Antigamente é que era bom…
Assim, aqui ficam as reflexões que partilhei no painel. Referi que, todos nós, eu incluindo, por vezes, falamos do antigamente. Antigamente é que era bom, naquele tempo, contextos marcados de nostalgia. Remoemos esses pensamentos, como para querer reviver e estar de volta ao que já não existe, nem voltará a existir. Revivemos não vivendo. Uma catarse. Saudosismo.
E, neste contexto, sublinhei que mais que falar do passado, o importante é pensar o passado. Mergulhar no vivido com o pensamento. Repensar a experiência de vida não para catarse mas para colher as lições do passado. A beleza da vida de um idoso reside nesse saber acumulado. Pensar o passado é mais belo que falar do passado. Pensar no passado é sentir que as sementes do passado estão vivas no nosso presente. Nós somos o que nos trouxe até aqui, pensar esse passado no presente é sentirmos que o presente é, já, o nosso passado a nascer futuro.
“Eu quero viver um dia todos os dias!”
Outra reflexão que partilhei foi acerca dos dias da pandemia do COVID, quando disse e escutei tantas vezes a frase: “Tem que ser um dia de cada vez”. Um dia decidi que iria evitar utilizar essa frase. Um dia de cada vez parece que nos dá um sentimento de arrastar os pés. Vamos lá ver, talvez seja possível. Então, nesse contexto decidi, Não. Não quero viver um dia de cada vez. Quero acordar, dizer : Boooom Diiiiaaa”. Abrir os olhos ao dia e afirmar: “Eu quero viver um dia todos os dias!”
É isso, viver um dia todos os dias. Viver! Viver a alegria da vida, sentir que este tempo que vivo é uma oportunidade única. Sentir que a minha vida é, afinal, um “nonononogémiso de milésimos de milésimos de décimos de segundo” da vida da humanidade. Viver este tempo único. Amar a vida, com a consciência desse infinito onde ficarei em silêncio.
Fazer Comunidade. Fazer Cidadania. Fazer Futuro.
E, falar de envelhecimento “bem sucedido”, é sentir que todo o saber acumulado, toda a experiência vivida está na brancura dos meus nervos. Sorrindo.
Recordei que estive hospitalizado, uns dias no Serviço de Urgências e vivi, ali, a luta diária, 24 horas por ia, hora a após, um combate pela vida, de médicos a enfermeiros ou pessoal operacional. Homens e Mulheres que vivem o tempo com a intensidade real, entre a vida e a morte. E nesses dias senti a fragilidade da vida, como tudo pode findar num instante e ficamos, subitamente, nus como nascemos. Envelhecer com sucesso é sentir a alegria do tempo vivido e manter a energia de dar sentido ao futuro. Eu faço-o: escrevendo, lendo, estudando, produzindo, do sentir ao pensar e do pensar ao fazer.
Em suma, acima de tudo, procuro dar à comunidade a gratidão de tudo o que dela recebi. Fazer Comunidade. Fazer Cidadania. Fazer Futuro.
Aprendizagem permanente.
O envelhecimento é, sem dúvida, o tempo vivido que dá sentido à morte do tempo, esse que está vivo na consciência. Um tempo inscrito em tudo o que fomos e somos. A nossa história. A nossa inscrição na comunidade, que se faz no sentir, no pensar e culmina no agir. Somos ideias em movimento. Aprendizagem permanente.
O envelhecimento é, acreditem, a beleza de sentir a gratidão do tempo a pulsar no nosso coração, sorrindo!
Obrigado pelo convite. Foi uma tarde de aprendizagem e enriquecimento de energias.
E, por mero acaso, hoje pela manhã, no Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita deparei-me com uma aula de ginástica na qual participavam, alguns com cerca de 80 anos. Lindo.
Acreditem, o envelhecimento bem sucedido…é ter tempo para viver!
A vida de uma cidade começa na vida das pessoas que a abraçam diariamente. São elas que lançam no quotidiano as sementes, essa energia, que vai para além do presente e se faz futuro. Todas as pessoas são uma história que se inscreve na história da cidade. Conhecer o pulsar do quotidiano. Conversar ao vivo, olhos nos olhos, sem tics, nem tocs, sem likes. Viver a interação da vida.
É esta a finalidade das «Conversas com …histórias» que, amanhã, domingo, dia 25 de Maio, vão ter o pontapé de saída na SFAL, tendo como convidada Cláudia Bizarro.
Uma conversa sobre a vida, sobre a cidade, sobre tudo o que apeteça conversar. Conversas sem agenda. Conversas para descobrir a cidade e viver a cidadania.
Se quiser, pela manhã, participar numa conversa por dentro dos dias que somos, então, pelas 11 horas, na Sala de Convívio Augusto Martins, na SFAL, marque presença. Venha conversar com Claudia Bizarro e com António Sousa Pereira. Uma conversa aberta, que vai do individual ao social.
Em boa hora, este ano, na noite de 24 de Abril, decidi assistir à peça “NEVA”, do Teatro Projéctor, e, desta forma, tranquilo com a minha consciência e com a minha memória, vivi, com valores por dentro da arte, o significado da efeméride que essa noite celebra. A noite que rasgou caminhos para findar o tempo das palavras amordaçadas e fez eclodir o novo tempo, esse, da liberdade de expressão de pensamento.
E valeu a pena. Valeu mesmo a pena. Porque esta peça NEVA, abre caminho para uma excelente reflexão sobre os tempos que vivemos, estes marcados pela decadência e pela mudança na história da humanidade. Estes tempos, que permitem pensar que a vida é teatro e o teatro é a expressão da vida.
Sempre que vejo uma peça de teatro, para além do sentido dramático, das interpretações, da encenação e do texto da peça, penso o contexto da acção teatral, por dentro do texto, que lhe dá a estrutura cultural, depois sinto a expressão do seu conteúdo pela encenação e pelas interpretações. É isso, escrevo muitas vezes, é a peça, a nascer, crescer e morrer, no seu tempo e espaço. É tudo isso que me apaixona no teatro, quando ele dá centelhas que ajudam a pensar o tempo que vivo, e, assim, sentir que o teatro não é indiferente à realidade, pelo contrário registo que o teatro é sempre indissociável da realidade, da memória, do presente, e, muitas vezes, é pioneiro a anunciar futuro. O conteúdo desta peça é, sem dúvida, uma reflexão sobre uma época onde o teatro estava grávido de futuro.
Uma primeira sensação que senti nesta peça, foi nela encontrar uma profunda reflexão sobre o teatro e o actor. Uma peça que faz recordar os textos de Stanislavski sobre o trabalho do actor no palco, sobre o actor a pensar sobre si mesmo, o actor a olhar para o seu interior, o actor a descobrir-se na personagem. O actor e a sua disciplina para os ensaios. A conflitualidade entre o actor e as palavras do autor da peça. O debitar palavras. O sentir as palavras. “Vou-me enganar, vou-me esquecer de tudo”. A representação autêntica. A representação vazia. O texto da peça proporciona esse encontro com os conceitos teatrais expressos por Stanislavski, na sua obra “A preparação do actor”, e, sem dúvida, esta, é uma visão cultural que percorre o texto, que, sublinho, na peça NEVA é um elemento estruturante e o grande pilar do seu conteúdo dramático.
Neste contexto considero que a peça tem uma encenação, marcada pela simplicidade, que pretende dar espaço aos actores, exigindo que os actores se afirmem como o foco central de expressão cénica em cada momento. Isso, naturalmente, exige dos actores a plena vivência dos personagens e a plena interiorização do texto. Uma encenação que tem a força do realismo que procura dar espaço, total, para que as palavras respirem, rasguem a parede entre o palco e o público, para que este sinta e pense. O não à indiferença.
E, para que as palavras respirem, saltem para a plateia, aqui o contributo dos actores é a pedra angular. De uma forma global posso salientar que as interpretações dos três protagonistas são felizes, agarraram o texto, vivem o texto, cada qual dando-lhe a expressão que nasce do seu coração. É um texto difícil, que exige muita energia e a vivência plena dos personagens e das relações entre os personagens. Personagens. Actores.
Todos estiveram bem e, sem dúvida, merecem um forte aplauso, mas, quero fazer uma referência à energia, à serenidade, à forma cativante que Anabela Pereira, assume a vivência e a expressão do seu papel. Ela com beleza dá vida à sua personagem e estabelece com flexibilidade quer os diálogos, quer os monólogos com perfeição. Foi excelente. Foram excelentes.
Portanto quer a encenação, quer as interpretações são positivas e merecem que o público aplauda com fervor. Eu aplaudi.
Uma peça que nos permite mergulhar por dentro dos valores do teatro, das relações íntimas, de busca, de aprofundamento das conflitualidades humanas que possam existir entre o actor com a sua interioridade e com a sua personagem.
Uma peça onde também no texto, sentimos emergir a conflitualidade que existe, entre a peça e a vida real. A ficção no palco e o seu (re)encontro com a vida real no exterior, na cidade, nos valores epocais.
O texto coloca aos criadores da arte dramática o desafio de colocar o teatro no centro da vida e, ele mesmo, ser um agente de mudança, de intervenção, de proposta para pensar o tempo que vivemos.
E, nesta reflexão, ocorreu-me ao pensamento Mario Vargas Losa, na sua obra “A civilização espectáculo”. Uma sociedade onde a cultura é um jogo de aparências, snobismo, produtos fabricados, indústria. O jornalismo espectáculo. A política espectáculo. Um cultura que deixa as suas marcas crescer entre o vazio e a angústia. Esses são sempre, os tais tempos de mudança, de revoluções, de crises, de guerras, de domínio do outro, de submissão de compra e vendas, porque tudo tem um preço. Um tempo que gera o culto da indiferença, que gera o culto individualista do sucesso, um tempo que faz da cultura e da vida, mero consumo e entretenimento. Esta peça permite pensar tudo isso, num contexto epocal dos fins do século XIX e princípios do século XX. O legado das utopias, em decadência, substituídos, nos dias de hoje, pela “civilização espectáculo” .
Onde o teatro é a vida? Ou onde a vida se espelha no teatro? Onde o teatro é resiliência? Afinal, um tempo, onde o teatro é uma voz de esperança!
Conheci-te antes de Abril acontecer, numa noite, numa reunião que decorreu num andar, numa casa em frente ao Luso, que era de Álvaro Monteiro. Uma reunião onde discutíamos a preparação da sessão evocativa do 5 de outubro que, dias depois, iria realizar-se no Teatro Cine Barreirense. Tinhas vindo de uma reunião, algures em Leiria, da Intersindical. As tuas informações eram importantes para os trabalhos da reunião. Foi nessa noite que te conheci, e, então, senti que conhecia um herói, um lutador. Nunca mantivemos uma relação de proximidade.
Até um dia, quando coisas da vida, recebeste-me no teu Gabinete, então Presidente da Câmara Municipal do Barreiro, para iniciar as funções que vivi apaixonadamente durante mais de uma década da minha vida. Iniciar, desenvolver, estruturar, dar sentido a um Serviço de Informação e Relações Públicas, um serviço pioneiro no país, que foi exemplo e era uma referência para muitas autarquias.
Mantivemos uma relação cordial, de cumplicidade de acção, era uma enorme alegria saber que quando era necessário, estava a teu lado, a prestar serviço, com respeito e sem qualquer sentido de servilismo.
E, agora, nesta hora da tua partida, sinto que contigo vai um bocado da minha vida, de sonhos, de vontade de melhorar a cidade, de ideais que colocavas, sempre, em primeiro lugar na tua vida quotidiana. Eras um homem puro. Eras um homem de uma grande simplicidade e pureza no coração. Nunca te vi quereres ser o protagonista da história. Estavas sempre na primeira linha, mas no teu coração, estava sempre o desejo de servir o teu partido. Tinhas essa convicção que o teu partido era o motor da história e das mudanças da história da humanidade.
Olha, um destes dias estive com o teu filho Rui, no café a conversar. Ele disse-me: “Sousa Pereira, o meu pai está por uns dias. Está a desaparecer todos os dias”. Fiquei triste.
Ontem pelas manhã o Rui enviou-me uma mensagem: “O meu pai partiu há pouco, que descanse em paz”. Sabes, quando li esta mensagem, uma lágrima desceu dos meus olhos. Sim, Helder descansa em paz.
Queria escrever um texto para te recordar. Tanta coisa ocorreu no meu cérebro, na consciência, no coração. Convergências. Divergências.
Hoje, dia 25 de Abril, este dia puro e limpo que tu festejavas com tanta ternura e paixão, decidi parar um pouco para te dedicar estas palavras.
Pensei que falar de ti, afinal, é simples, basta escrever que a tua vida foi uma entrega plena a três sentimentos, o Bem Estar, o Bem fazer, e, o Bem Comum.
O BEM ESTAR, não era o teu bem estar, era o bem estar com a tua consciência. O teu bem estar era, afinal, saberes que não eras presidente da Câmara, nem eras Governador Civil, nem eras Presidente da AMRS, estavas Presidente. Estar presidente é muito diferente de ser presidente. Estar é saber que esta função é apenas uma missão temporal, passageira, é um serviço público. Tu vivias essa missão política com plena entrega. Servias a comunidade. Amavas a comunidade. Podias ter um carro e um motorista. Nunca o quiseste. Eras tu que conduzias. E quando podias ter ficado mais um mandato, que, na verdade, nada o impedia, naquele tempo, que era um momento de mudança, porque o cargo de presidente de Câmara passou a ter uma remuneração mais interessante, e, diga-se muito diferente do vivido anteriormente, então, nada te incomodou e, prontamente, aceitaste a decisão de sair da presidência e passares a assumir o cargo de Presidente da Assembleia Municipal.
Servir a cidade. Servir o teu partido.
Esta era a tua dimensão de homem, dedicado, puro de ideias, aberto e fraterno.
Davas tudo de ti para valorizar as tuas opções ideológicas. Em silêncio e com esperança.
Era esta a tua satisfação o Bem estar, de tudo e de todos. O bem estar com a vida, com as emoções com as ideias. Viver com tranquilidade.
Outra dimensão da tua forma de estar na vida era o BEM FAZER, procuravas no teu quotidiano fazer o bem, praticar o bem, realizar o melhor, resolver os muitos problemas do concelho, com parcos meios financeiros. Recordo aqueles dias que nem havia verbas para meter gasolina nos autocarros. A lei das finanças não era cumprida. Faltavam recursos humanos para as muitas necessidades. Arranjar os muitos logradouros abandonados, Criar jardins. Servir a população da zona rural com redes de água e redes de saneamento. A falta de salas de aula nas escolas. Ruas sem estarem asfaltadas e sem passeios. Criar uma Biblioteca Nova, sendo uma das mais modernas do país, exemplo na AML. Realizar a BARRIND. Abrir as portas para modernizar o Barreiro, por exemplo, a nova urbanização da Cidade Sol, que no seu planeamento demonstrava que a habitação tinha continuidade no espaço exterior, na criação de estacionamento e zonas verdes. Provar que habitação não é só o betão, é humanizar o espaço da polis. Estra, recordo, era uma Urbanização na época visitada por grupos de estudantes de arquitectura, para observarem uma nova forma de pensar e fazer cidade. Rasgar até ao Rio Tejo a Avenida do Bocage. Recordo aquela noite da inauguração da Discoteca DNA, que foi o ponto de partida para dar vida à noite do Barreiro. Tanta coisa. O tempo que nasceu o novo Hospital do Barreiro, as batalhas pela reorganização do território envolvente.
Era isso, a tua força era a força de uma equipa, de vereadores de diferentes cores políticas, que criavam e recebiam o teu pleno apoio, no valorizar o ambiente, dinamizar a protecção civil. Coisas pioneiras.
Era por isso, é por isso, que me indignava e indigna, quando, por vezes, na vida politica falar-se desse tempo que lideraste a vida do concelho, como sendo um tempo de estagnação. Ofende-se, quem tanto deu, com amor e voluntarismo, quando se fala em 40 anos de estagnação. Se, nos dias de hoje, arranjar um logradouro, há quem diga que é estratégia de desenvolvimento, afinal, se forem contados os logradouros renovados, nos teus mandatos, então, sem dúvida, foste o maior estratega do concelho do Barreiro.
E finalizo, com o BEM COMUM, as tuas gestões, com as tuas equipas, com técnicos e trabalhadores, com que sempre mantiveste uma relação cordial, de amizade, era sempre uma aposta no servir o BEM COMUM, no criar cidade, no ser construtor da melhoria da qualidade de vida.
Só quem não tem memória, ou só quem quer apagar a memória pode afirmar que o Barreiro nos teus mandatos não progrediu, não evoluiu, não se transformou. Isso é ofender a tua memória, por essa razão, aqui, hoje, quero dizer – OBRIGADO HELDER!
Olha, recordo aquela sessão que dinamizei, como o Dourada Mendes, na SIRB «Os Penicheiros», com o tema : UM ABRAÇO AO HELDER! Que momento enorme de reconhecimento quando findou o teu mandato na presidência da CMB.
Bom, mas são tantas as recordações, que nunca mais findavam.
Sim, quando politicamente segui por outro caminho, ficaste zangado comigo. E, só voltamos a conversar num encontro no jornal Rostos, contigo e o Carlos Humberto, quando eram candidatos.
E, quando o ano passado expressaste a força do teu carácter, quando da atribuição de teu nome a uma rua do concelho ( nem sei onde fica), e, pela voz do teu filho, deste a tua opinião, de discordância, porque consideravas que essas homenagens deviam ser feitas noutra circunstância. Mais uma vez, demonstraste a tua humildade e pureza. Admirei.
Olha, o que eu acho é que um topónimo com o teu nome devia ser colocado numa Avenida, numa Praça, bem no centro da cidade do Barreiro. Merecias essa homenagem. Uma homenagem única.
A vila que se transformou em cidade quando estavas em presidente. O Barreiro deve orgulhar-se de ter em ti, Helder Madeira, um grande exemplo de homem politico, de cidadania, com uma cultura de respeito pelo outro, um político que gerava empatia, fraternidade, que serviu a sua terra e nunca dela se serviu.
Tu és, sem dúvida, um exemplo para futuras gerações, de como a política é uma causa nobre para desenvolver e construir um mundo melhor.
Tive orgulho em estar ao teu lado, em todos os momentos, enquanto trabalhador da autarquia.
O tempo passa, vai ficando distante, esse dia, tão lindo, aquele dia de gaivotas a voar em pensamentos livres, de armas a florir, e, escutámos as vozes em coro, vibrante a sonhar e viver os sons da vida em Liberdade. Vai ficando distante o tempo, de trovas e poemas de resistência e resiliência, nas ruas, nas igrejas, nas fábricas, nos escritórios, nas escolas, nas matas e no capim de África, esse tempo, que calava as ideias diferentes, impondo o pensamento único. Lá vai, esse tempo, que cantávamos a sorrir: Canta, canta amigo canta, vem cantar a nossa canção…
Olho para esse tempo, a sorrir, sem sentimentos de nostalgia, apenas estendo o meu olhar por dentro da energia dos meus braços, para erguer, bem alto, um cravo de Abril. E, nestes, 51 anos, nesta terra Barreiro, onde aprendi a sentir e a pensar a palavra Liberdade, o direito à indignação, e, a viver a alegria de ser insubmisso, hoje e aqui, quero apenas recordar os dias de Abril, escrevendo três palavras – Respeito, Gratidão e Obrigado.
RESPEITO
Sim, RESPEITO pela memória, respeito por todos que sofreram e sentiram na pele, nas prisões, nas torturas, ou mesmo, sem ser em prisões, mas sentiram nas vivências quotidianas, a castração, o silenciamento, o medo, o desemprego, a fome, a guerra, a morte, a corrupção moral, o sofrimento. Esta terra, Barreiro, terra militarizada, onde, pela Liberdade, ergueram as suas vozes comunistas, anarquistas, socialistas, católicos, cristãos, maçons, gente anónima, gente esquecida, que está inscrita, no grandioso património imaterial desta terra. Terra da Liberdade… RESPEITO. Sim, respeito, porque pode mudar muita coisa, pode mudar a forma de se olhar para o tempo e o mundo, pode pensar-se que o mundo mudou e mudou, pode pensar-se que, na verdade, os tempos são outros, pode pensar-se desconstruir memórias, pode pensar-se com fantasmas inventados, misturando o passado com o presente, pode-se tudo isso, mas nada mudará o passado. Nada mudará uma coisa que está inscrita na história da comunidade, nada, nem nunca ninguém irá apagar, porque a memória, pode não ser “presentismo”, mas é, e será sempre futuro, porque é história viva. Por isso RESPEITO. O meu Respeito pela resiliência, de muitos homens e mulheres, que viveram sempre com amor à Liberdade e Democracia. RESPEITO, porque tudo isto, todas estas memórias, nestes tempos de guerras e decadência, onde dominam os likes, cada vez mais, tem mais significado dar força às memórias, essas feitas de valores, ideias, ideais, sonhos, memórias que devemos passar às futuras gerações. Sentir que a Liberdade não é um vazio, a Liberdade está inscrita na memória do que fomos, somos e seremos. Sim, essa memória inscrita no património cultural do desta terra Barreiro, merece RESPEITO.. Sim, tudo muda, mas que nunca deixemos de celebrar Abril com RESPEITO pelo legado de muitas gerações. Abril com valores!
GRATIDÃO
Sim, Gratidão por tanta transformação e mudança na vida de Portugal e nas suas aldeias, vilas e cidades fruto do 25 de Abril. Recordo, por exemplo, que nesse dia 25 de Abril, há 51 anos, quando saí de casa, pela manhã rumo a Lisboa, na minha rua não existiam passeios, assim como acontecia em imensas ruas do concelho. Não existiam passeios, existiam eram dezenas de logradouros degradados, não tínhamos pressão de água em casa para tomar banho, mesmo com água fria. Sim, é verdade existiam zonas do concelho do Barreiro sem abastecimento de água potável, sem saneamento básico, não havia recolha de resíduos urbanos, existia lixeira a céu aberto. Foi o Poder Local, primeiro a Comissão Administrativa depois os primeiros eleitos, que deram passos decisivos para mudar, e mudaram, a qualidade de vida da população. Foram construídos passeios, arruamentos, logradouros, criados parques infantis, muitas vezes com voluntarismo. Um Poder Local com imensas dificuldades mas com muito amor. Foram construídas redes de abastecimento de água, redes de saneamento, estradas, escolas, ou salas de aula, milhares de contos. Valeu a pena. Iniciou-se o planeamento da cidade, ainda hoje, base de trabalho, defendeu-se a valorização das zonas ribeirinhas. Tudo isto foi possível com homens pioneiros que deram de si pela comunidade, para servir a comunidade. Homens e mulheres que deram rosto ao Poder Local, esta que é uma das mais belas conquistas do 25 de Abril. Sim, GRATIDÃO a esses pioneiros que valorizaram o concelho. Que transformaram, que mudaram, que merecem o reconhecimento. Registo dois nomes, aqueles que lideraram as equipas: Helder Fráguas, a Comissão Administrativa; Helder Madeira, a primeira Câmara Municipal eleita. Através deles todos que foram os protagonistas nas muitas mudanças que abriram caminho a outros projectos futuros.
GRATIDÃO, é sabermos que nós não somos o começo do mundo, outros nos antecederam e desbravaram caminhos para um futuro melhor. GRATIDÃO, porque este património do Poder Local faz parte dos sonhos do 25 de Abril.
OBRIGADO!
Sim, OBRIGADO, por a vida me ter proporcionado viver por dentro da história, em movimento, o dia “puro e limpo”. Obrigado aos militares de Abril. Obrigado a todos os resistentes - homens e mulheres. Obrigado aos cantores de intervenção, que me deram energia para resistir. Obrigado aos poetas que colocaram palavras no meu coração : “eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida”. Ou aquela canção: “Olha o sol que vai nascendo, anda ver o mar…”. Cânticos que eram sangue a pulsar no coração. Lágrimas a sonhar futuro. Obrigado Abril, esse dia único, que guardo dentro das raízes do meu pensamento. Obrigado Barreiro, por tudo o que as tuas gentes deram para construir…um sonho chamado Abril e sentir o sabor da palavra Liberdade! OBRIGADO BARREIRO!