Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

Dos Resistentes Antifascistas às memórias do futuro!

432749957_10227676374193488_8119439622285568188_n.

Desde há muitos anos existe na toponímia barreirense uma Rua que presta uma justa homenagem aos Resistentes Antifascistas, que foram muitos, e, na verdade, nem todos foram presos pela PIDE. Há muitos esquecidos. Foram Comunistas. Católicos. Socialistas. Republicanos. Sem partidos. Sem religião. Homens e Mulheres de corpo inteiro. Este imenso património imaterial, muito dele guardado na Torre do Tombo, devia merecer investigação. Preservação. Tanta coisa já se perdeu.  

 

Hoje pela manhã passei naquela artéria, e, enquanto descia a rua, no meu pensamento ocorriam-me muitas memórias. Afinal, todas as ruas têm memórias inscritas. Tanta coisa que me ocorreu ao pensamento. São as memórias dos lugares.

Ali, nos TCB, vivi a trabalhar uns dias, depois de cinco anos de “prateleira”.

Um dia, o Carlos Maurício, lançou-me o repto de ir para a Protecção Civil, e, por ali estive uns meses a desembrulhar documentos encaixotados. O arquivo do extinto Serviço Municipal de Protecção Civil, criado nos tempos do João Pintassilgo, numa epopeia histórica da Isabel Tavares, que contou a colaboração do Comandante Encarnação Coelho, um tempo em que se dinamizou o primeiro Plano de Protecção Civil da Quimiparque. Este que foi um dos primeiros planos de protecção civil do país.

Enfim coisas, que as ruas trazem à memória.

 

Uma rua com mutas memórias. Recordei o dia que visitei o espaço da Fábrica de Cortiça, há anos abandonada.

Uma fábrica onde trabalhou o Ti’ Jerónimo Alves, Sócio Honorário da SFAL, que não foi preso pela PIDE, mas que foi chamado à António Maria Cardoso, ele, e o Ti` Mário Saraiva, também Sócio Honorário da SFAL, porque a SFAL promoveu um Colóquio com Urbano Tavares Rodrigues. Não foram presos. 

A fábrica de Cortiça que passou para propriedade da Câmara Municipal do Barreiro, na gestão de Helder Madeira, para ali localizar as novas Oficinas dos TCB, processo que, depois, foi concretizado na gestão de Pedro Canário.

Naquele tempo, quando se contavam os tostões para manter vivos os transportes públicos, sem apoios governamentais, sem a contrapartida devida dos passes sociais. Não havia PRR. Nem se cumpria a Lei de Finanças Locais.

Este serviço, era, e continua a ser um serviço essencial na comunidade. Os TCB que receberam o maior investimento público municipal, estratégico, realizado na última década, desenvolvido e concretizado na gestão da CDU, com o apoio do governo PS, e, concluído na gestão autárquica PS. A remodelação total da frota.

É assim a vida autárquica uns resolvem uns problemas, outros resolvem outros. Há espaços abandonados que deixam de estar abandonados. Nada de novo. Mas há aqueles que, enfim, acham que o mundo começa sempre, sempre, no agora. Parece uma cassete. Não há nada a fazer. Há quem chame a isto populismo. Mas, nos tempos de hoje, pelos vistos, é o que está a dar votos.

Pois, até há espaços que estavam abandonados e, hoje, ou, já há muito tempo, podiam ser um amplo espaço público aberto, um imenso espaço verde, junto ao Tejo e à natureza. E lá continua há 7 anos ao abandono – a Quinta de Braamcamp.

 

Mas andava por ali, naquela rua, dos Resistentes Antifascistas e recordei, uma conversa que tive com o Ti Flávio Alves, um homem preso pela PIDE, devido à grande jornada da bandeira vermelha. Ele comentou as reuniões que se faziam nos terrenos, junto à Estação do Lavradio, ao cimo da rua, para preparar greves ou jornadas de luta. Uma delas o 18 de Janeiro de 1934.    

 

Pensava em tudo isto e na minha memória sentia o pulsar de uma memória, aquela de uma comunidade que lutou, sofreu, sentiu, na pele, no corpo e na consciência a dor do amor á liberdade, perante um regime opressor.

Sim, essa é uma das marcas culturais do concelho do Barreiro, uma realidade que está inscrita na memória desta comunidade, essa realidade de resistência e luta, de amor à democracia, que se vivia na vida associativa, esse amor à Liberdade que nascia nos movimentos das crianças e jovens que davam alegria aos dias, nessa epopeia que escrita a palavras de ouro que se dizia : JJB – “Jogos do povo e para o povo”, frase que a censura cortou num artigo que escrevi para o Noticias da Amadora.

O concelho do Barreiro, apesar de alguns quererem nos últimos tempos ignorar, foi uma terra operária, de cultura solidária, de relações de vizinhança e proximidade, de cultura de fábrica. Homens e mulheres com um legado histórico de luta e combate, pela Liberdade e Democracia.

Uma terra onde, no dia 4 de Outubro de 1910, antes de ser assinalada em Lisboa, nos Paços do Concelho do Barreiro, era assumida a implantação da República, sendo a Comissão Administrativa, que tomou o poder, composta por homens amantes da Democracia, na sua maioria, homens justos e livres que integravam a loja da Maçonaria do Barreiro.

Uma terra que após o 25 de Abril, em que todos decidiram destituir a Câmara Municipal do Barreiro, foi nomeada uma Comissão Administrativa, composta por 19 pessoas, de diferentes orientações políticas, de diversas áreas de pensamento, que abriram caminho ao Poder Local. Uma Comissão presidida por Helder Fráguas. Um vulto cultural e civico. Uma Comissão que era bem um exemplo da pluralidade e da democraticidade conquistada com Abril. Uma memória da democracia por escrever, como exemplo de democraticidade e respeito pelas diferenças.

 

Uma terra que ao longo de gerações foi humilhada com cavalos nas ruas, o medo a aterrorizar, as escutas nos cafés e no seio das famílias. Uma terra onde a resistência doía e o silêncio era a forma de evitar os que gostavam de cultivar o pensamento único.

Uma terra que, um dia, um amigo falava-me que exista o “reviralho”, que também era resistente, pela calada da noite, alguns barreirenses que, durante o dia desempenhavam funções na vida social e, depois, de noite eram resistentes ou resilientes, muitos daqueles que diziam com orgulho: “Sou do Barreiro”, porque ser do Barreiro era ser de uma terra de referência, de luta, de trabalho e de resistência.

Recordo um médico que de dia conviva com o regime, era peça do sistema, e, à noite, pelo silêncio da noite, era conduzido, até às casas esconderijo, para prestar assistência médica aos comunistas na clandestinidade.

Por isso, ao passear pela Rua dos Resistentes Antifascistas, recordei que há muitos mais, mesmo muito mais, resistentes no concelho do Barreiro, que aqueles que estão registados na Torre do Tombo e nos arquivos da PIDE. Há uma cultura. Há um património imaterial, único.

Homens e Mulheres que viveram a democracia, a luta pela democracia, o amor à Liberdade, o combate pelos direitos humanos, com dignidade, em gestos e atitudes que foram mais, muito mais, que um acto abnegado de coragem ou bravura, ou de acaso da vida.

Foi acção politica! Foi acção de resistência! Foram décadas! Foram gerações!

Foram homens e mulheres que, no silêncio, muitos sem puxar de louros, viveram as suas vidas com a palavra Dignidade, de quem não dobra o joelho, de quem não teme os poderes instituídos, reis de circunstância, e, por isso, assumiam as vidas com a força de ser cidadão, cidadão de corpo inteiro, com direitos e deveres.

Cidadania! Ser cidadão! Actos de consciência civica! Actos de Liberdade!

Homens e Mulheres que sonharam, sofreram, de forma resiliente, com lágrimas no coração, para ver nascer aquela madrugada pura e limpa. Quantas lágrimas de mães, filhos e netos, que não sentiram a prisão, mas sentiram no coração, a luta dos seus, pelo amor à Liberdade.

“Por trás daquela janela está meu amigo”, cantava Zeca Afonso, a propósito de um preso político do Barreiro. Alfredo Matos.      

 

Tudo isto ocorreu-me hoje, de manhã, ao passar na Rua dos Resistentes Antifascistas, ali, no Lavradio.

Obrigado a quem, um dia, decidiu prestar esta homenagem, a todos e todas, sim, a todos e todas, que lutaram pela Liberdade, inscrevendo esta memória na toponímia barreirense. Na verdade, estão lá, naquela rua, os presos e os não presos. Está ali a cultura de uma terra, que se fez com trabalho, com memória e com luta. Resistência.

Um legado, um património imaterial que orgulha, sim orgulha, este orgulho de amar a Liberdade. De resistir. De ser resiliente. De ser Barreiro.

 

O Barreiro foi uma terra de resistência. O problema é que, nos últimos tempos tem havido por aí uma lufada de pensamento que na ânsia de tapar da história o PCP, até tem tapado a história da resistência, da cultura barreirense. Aliás, por vezes, até se cultiva a ideia que o atraso, o dito abandono do Barreiro, a não exploração do potencial, tudo isso, afinal, só tem um culpado o PCP.

A suburbanidade a que esta região tem sido legada a culpa é do PCP. Coisas da democracia. E depois queixam-se dos votos de protesto ou de indignação contra o sistema. Ontem era o PCP o culpado, e, um destes dias, outros vão seguir-se. Aliás, na recente campanha eleitoral já se dizia que a culpa do atraso é da esquerda. E, quem sabe, mais tarde, serão outros, se isto, de facto, continuar a ser o paraíso do imobiliário, sem empregos, e, não passar de uma zona suburbana que diariamente viaja para a outra margem. Pois, é verdade, cada vez são mais.

Depois será tarde. Enfim, basta recordar Brecht!

 

Mas, entretanto, quando bebia uma café, apareceu amigo que me contou estórias dos seus dias, aqui no centro do Barreiro, quando viveu o drama de sentir o Parque António Oliveira Salazar, hoje Parque Catarina Eufémia, cercado por GNR, após uma guerra de ovos, nos dias de carnaval, e, na fuga, levou uma cacetada no ombro, que rasgou a pele, e, ainda hoje, tem a marca desses dias no corpo e no brilho dos seus olhos. A GNR metia medo.

Não sei o que ele é politicamente. Não é do PCP. Nunca foi preso. Nem nunca foi à Pide. No seu Bairro operário havia bufos. Havia lutadores. Esteve nas lutas das eleições de 1973. Ele, como muitos jovens da sua geração, têm bem gravado na memória esses dias de amor à Liberdade, memórias da cultura da sua terra. Terra dele, que não é a minha. Minha, é só a raiz que cá tenho dos meus filhos e neta.

 

Uma geração que viveu o amor à Liberdade, uma luta que ficou inscrita em muitas gerações,  que nem cavalos, baionetas, ou bastonadas, silenciavam.

Uma cultura que ela mesma está cantada nas vozes de poetas, como Manuel Alegre: “Há greve no Barreiro!”

“Não esqueço aquele dia que os cavalos entraram no café Pilar, ali no Largo da Santa”, disse-me ele.

Eu comentei : “Sabes, tu devias ser condecorado pela tua bravura e coragem”. Ele sorriu. Eu sorri. 

 

Sim esta rua, a Rua dos Resistentes Antifascistas é, sem dúvida, uma rua com muitas memórias.

E, diga-se, ali, começam já, nos dias de hoje, a estar inscritas as memórias do presente, que vão ficar como memórias futuras – o Mercadona está a nascer. O novo potencial.

E lá longe, muito longe, ficam tantos sonhos…que se perdem nas águas do Tejo.

 

António Sousa Pereira

Agora

432372979_10227670161798182_5468144727971039469_n.

Estou cansado do jogo de palavras, de sentir a cidade embrulhada num labirinto de silêncios, ruídos que afagam as palavras, e, na penumbra aniquilam as vozes, sempre que o sol começa a florir. A cidade deita-se no silêncio.

 
O jogo de palavras é um jogo secundário. Tácticas. Retóricas. Conflitualidades inúteis. Desconstrução. Reescrever a história. Ilusões.
O jogo de palavras vai para além da realidade. O jogo de palavras é tornar o presente vazio, é discutir um golo que não foi golo, um fora de jogo por 5 milímetros. O malabarismo.
O jogo de palavras é um pensamento único, ganha sempre quem melhor argumenta, não interessa o quê, nem como, o importante é refutar, humilhar o outro. Silenciar. Destruir carácter.
 
O jogo de palavras é um jogo de poder, de domínio da opinião, de controle de opinião. É uma conversa sem memória, que quer apagar a memória. Talvez por isso, apenas por isso, o jogo de palavras, é sempre o agora que conta, porque, afinal, no agora, não há passado, nem futuro. É apenas um jogo de palavras, sem visão do mundo, um alimentar de pensamento virtual, a circunstância. Animar as redes sociais. Gerar um mundo virtual. O agora.
 
O jogo de palavras é o marketing para vender e motivar o consumo. O jogo de palavras vive dos sucessos, do foco, de valorizar vitórias, cria papões, glutões, e, na verdade, ignora o pensamento que faz humanidade e a vida que floresce, quotidianamente, na palavra fraternidade.
 
O jogo de palavras sente-se numa civilização que convive serenamente, sorrindo, com grandes sorrisos, com a miséria, a fome, e, ao seu lado, diverte-se num novo riquismo balofo.
O jogo de palavras não é um diálogo, é um jogo de pensamento único, disfarçado em suculentas ambições de sobrevivência. O jogo de palavras cultiva a inveja, cria inimigos de estimação, fomenta teorias da conspiração, é um jogo de bons e maus. Estou cansado!
 
O jogo de palavras é o lodo onde sucumbe a democracia.
O jogo de palavras mata a palavra fraternidade.
Quem me cortou o sol? – interrogo-me.
 
António Sousa Pereira
 

«Fabricado no Barreiro»: a banalidade do ano 2023

416111608_10227353686006485_9218374036698459884_n.

Hoje, dia 4 de janeiro de 2024, quando fui à farmácia, surgiu, nem sei a que propósito a conversa do “fabricado no Barreiro”, e, na verdade, o que escutei foram risos e comentários – “agora tudo é fabricado no Barreiro…e, no meio da conversa, alguém acrescentava, “se isso fosse a realidade”. E de facto só dá para rir.  

José Tolentino Mendonça, numa das suas crónicas, publicada no livro «A mística do instante», recorda que a filósofa Simone Weil, trabalhou numa fábrica, e, dessa sua experiência escreveu no seu diário uma reflexão : “Que cada um no seu próprio trabalho seja um tema de contemplação”.

O Cardeal Tolentino Mendonça, refere que Simone Weil, descobriu, nessa realidade, no seu trabalho, que a contemplação, lhe estava vedada na fábrica, porque, ali, afinal, o dever número um, pelo qual todos eram compensados, ou punidos, era a velocidade da produção, monótona, maquinal, desumanizada.

Simone Weil, salientava que, como ser pensante, com recordações e fragmentos de ideias, sentia que na fábrica, a única coisa que contava era : “que o homem possa funcionar mecanicamente como peça de uma engrenagem”, e para ela, “isso representa, mais cedo ou mais tarde, a destruição do homem”.

Ocorreu-me ao pensamento este texto, quando, no passado mês de dezembro, ao abrir a minha caixa de correio, encontrei o tradicional cartão de Boas Festas da Câmara Municipal do Barreiro, e, nele, bem no centro, bem visível, para que todos pudéssemos “contemplar” lá estava “imposta” aquela célebre frase da gestão 2830.

Enfim, uma frase que que vai ficar para a história como a marca de um modelo de gestão que aposta na imagem, no culto da personalidade e vive da politica de surf, ou seja, das coisas herdadas do passado e das coisas que vão nascendo, ou privadas ou pública, tudo isto se resume à frase : Fabricado no Barreiro.

Pessoalmente, já sabia, de anos anteriores e, também, de novo este ano renovado, que afinal, agora, coisa que nunca aconteceu nas últimas décadas pode dizer-se: “Barreiro - aqui há Natal”.

Assim, para além do Boletim da comunicação autárquica “Jornal  Aqui Barreiro”, convém não esquecer, e, portanto acrescentar ao  “Aqui há Natal”, coisa que sabemos é inovadora, também agora, o Natal é “Fabricado no Barreiro”.

 

Eu que sou velhote, sempre associei o Natal a palavras como fraternidade, amor, solidariedade, paz, boa vontade, família, amizade, ternura, carinho, esperança, entre outras, nuca senti o Natal com essa dimensão intelectual socializante do “Fabricado no Barreiro”. Ignorância minha.

Todos sabemos, ou muitos sabem, e conhecem a tal célebre frase da CUF, a marca de Alfredo da Silva :“O que o país não tem a CUF cria”, desconhecia, e, esta é para mim é a grande novidade que fica a marcar o ano 2023, afinal, o Natal, essa festa universal, é “fabricado no Barreiro”.

 

Na verdade, já nas Festas do Barreiro do ano 2023, esse slogan, da gestão socialista, foi imposto como o lema daquele evento que, na verdade, largamente transcende qualquer gestão autárquica, pois é um evento com mais de 300 anos.

O «Fabricado no Barreiro» é, na verdade, um slogan fantasioso, desligado da realidade, é a mera expressão de um pseudo “narcisismo local”, é um slogan vazio, que pretensiosamente procura fazer, eventualmente,  a ponte entre a cultura empresarial e industrial dos ferroviários, da CUF, com a actualidade, mas não tem qualquer conteúdo, porque não tem qualquer projecto, nem se vislumbra uma estratégia subjancente.

 

Aliás, a única “ideia” que emerge deste slogan deve é o querer fazer cidade e cidadania, com base no conceito de “produçãol”, como quem considera que “produzir cidade” é “arquitectar cidade”, é “fabricar cidade”, é olhar para o território e zás, a cidade é isto, que uns ilustres pensadores germinaram, ali, para o mausoléu do Largo das Obras, de tal forma que, agora, até já se fala “em fabricar o Barreiro novo”.

 

Quando se afirma em “fabricar um Barreiro novo” é porque se considera que há outro Barreiro «o velho que tem que ser desmantelado. E pessoalmente gostava de conhecer esse Barreiro Novo. O que vejo é nascer, a todo o vapor, a cidade do betão.

 

Esse, Barreiro Novo é algo que ninguém conhece, que está no segredo dos gabinetes dos “pensadores da cidade”, os fabricantes, sem a participação dos cidadãos, é, sem dúvida essa a cultura do “fabriquismo”. Eles é que sabem.   

O fabriquismo é uma ideologia, sem ideologia, é marketing de vazio, sem ideias

Fabricado no Barreiro é uma espécie de Barreiro  2830, que quer produzir um “orgulho local”, vazio de identidade e de memória.

O fabriquismo o que pretende é, regar geral, dizer que para trás tudo esteve mal, para depois erguer a bandeira – “tá melhor có que estava”. É isto o fabriquismo.

O fabriquismo é a história de milhões, muitos milhões, ou do PRR, ou de privados, fruto das circunstâncias, que nada tem a ver com um projecto de cidade.

O fabriquismo está a fabricar um Barreiro Novo que só se pensa no centro, a 15 minutos de Lisboa, e é incapaz de se pensar como uma centralidade da Península de Setúbal e da AML. Daí o silêncio sobre a localização do aeroporto, ou o salta pocinhas sobre a Terceira Travessia do Tejo. Ou a ausência de uma séria reivindicação de construção da ligação da ponhte Barreiro - Seixal. Ou até o pensar conceitos de cidade-concelho, polinuclear, que vai para além, muito para além da cosmética de rotundas e de pseudo recuperações de antigas zonas ferroviárias, ou de bairros sociais.

 

Em suma, o slogan da gestão 2830 – Fabricado no Barreiro – foi, para mim, a banalidade do ano 2023, mas é uma banalidade que espelha as politicas de surf, que vão gerindo a cidade de acordo com os acontecimentos, sem outra visão que não seja a cidade do IMIé .

 

Se, para mim, este slogan estava morto, ou era apenas um slogan, abraçado pela gestão 2830, agora ao dar-lhe a dimensão natalícia, ficou reduzido a isso mesmo, é uma banalidade, porque espelha a dimensão do fabriquismo que tudo quer municipalizar.  

 

Afirmar : Fabricado no Barreiro é como afirmar a cultura do «fabriquismo», cuja essência visa a desconstrução da memória, negar o legado de outras gerações, forjar a ideia que um “mundo novo” está a nascer - “um novo Barreiro”.

 

Hoje, dia 4 de janeiro de 2024, quando fui à farmácia, surgiu, nem sei a que propósito a conversa do “fabricado no Barreiro”, e, na verdade, o que escutei foram risos e comentários – “agora tudo é fabricado no Barreiro, e, no meio da conversa, alguém acrescentava, “se isso fosse a realidade”.

E, de facto, isto só dá para rir. Vão lá dizer o contrário aos criadores.

 

O fabriquismo não é um pensamento de fazer cidade e cidadania é apenas um modelo de marketing político, de gestão de imagem, e, cuja finalidade é promover visões e ilusões para manter o poder pelo poder.

Como escrevi, noutro texto, o fabriquismo é a promoção de um orgulhismo patético, que não tem valores, nem princípios, é a-ideológico, e, apenas quer contribuir para estimular o populismo.
Do “Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local” ao “Barreiro – aqui há Natal – Fabricado no Barreiro”, reside a banalidade de um barreirismo sem alma.

Divirtam-se.

 

António Sousa Pereira

O Amor semeado em 20 de Setembro de 1950

242580851_10222468724205493_9138243311725118018_n.

 

Nós, todos nós, somos herança de quem nos antecedeu, os nossos pais, os nossos avós, perdendo-se no tempo as raízes da nossa identidade.
Há registos mais recentes, outros mais distantes, e, ao viajarmos pela cronologia do tempo, sentimos as nossas raízes algures.
 
As minhas devem estar em Arrenilha de Santo António, destruída pelo terramoto de 1755, que depois deu origem à vila pombalina, fundada com a vontade de Marquês Pombal – Vila Real de Santo António.
Se olharmos para a planta da fundação de Vila Real de Santo António, os meus avós viveram todos no quarteirão 22, que ficou divido em 22A e 22B, porque foi rasgado pela conhecida Rua Estreita.
 
Os avós paternos na Rua da Princesa. Os avós maternos na esquina da Rua Estreita, com a conhecida Rua da Espanha, esta, no tempo da fundação, era o limite da Vila.
Nessas ruas de gente de trabalho estão as minhas raízes.
O meu avô paterno era Calafate, uma profissão especializada na época. A minha avó paterna pelo que me constou não tinha vida profissional .
 
O meu avô materno era pescador do rio, com barco próprio e actividade artesanal. O escritor Vicente Campinas identificou num personagem da sua obra - o António Gigante - no seu romance «Os Fronteiriços». Também sei que era um brilhante artesão, construía veleiros - estilo bacalhoeiros - de formatos pequenos e metia-os depois dentro de garrafas erguendo as velas e mastros com fios. O meu Tio António tinha um exemplar em casa dele, ficava deliciado a observar aquela beleza.
O meu avô juntava a sua actividade de pescador do rio, com a tarefa de estabelecer comércio clandestino entre Portugal e Espanha. Levava produtos para a raia espanhola e trazia outros para as margens de Portugal. A minha avó materna era operária conserveira. Foi essa profissão que legou à minha mãe.
 
Foi com a minha avó materna que eu vivi, após o ano 1960, quando fiquei órfão de mãe, ali, nessa casa na Rua da Espanha, na esquina com a Rua Estreita.
A minha rua. Será sempre a minha rua. Uma rua que era um bairro. Uma rua que era uma família. As portas abertas. As brincadeiras. As conversas, nas noite de verão, de um lado para outro da rua. Uma rua de gente que se respeitava.
 
É nessa gente de trabalho, nesse viver solidário que cresci, cultivando a amizade, essa amizade que se inscreveu para a vida. O Narciso. O José Henriques. A Betinha. O Chico. O Tomás. O Gabriel. O Machadinho. O Nelson. Tantos nomes que ficaram inscritos e fazem parte daquilo que sou.
Aquela era a rua da Tia Maria Parra, da Tia Maria Neto, do Sebastião, barbeiro, do Mestre Zé Branco, carpinteiro, do Orlandino, do Alexandre, do João Paulo, da Adélia, do Sanina, do Juca, estes e tantos nomes que estou a visualizar os seus rostos, mas os nomes voaram pela memória do tempo.
 
Mas, afinal, a que propósito estou a recordar tudo isto, quando queria apenas recordar que faz hoje 73 anos que os meus pais casaram.
O meu pai e a minha mãe, ambos com raízes nesse quarteirão 22, esse que liga, entre si, a Rua Estreita, a Rua da Espanha, a Rua da Princesa e estão no epicentro do Largo da Bica.
 
Recordo porque, há precisamente 73 anos, o Pereirinha e a Rita deram o nó, para a vida.
Pelo que foi dito, embora tudo tivesse sido tratado para que o casamento se realizasse na Igreja de Vila Real, onde terá decorrido todo o processo e registos, à última hora, o Padre terá decidido deslocar a cerimónia para a Igreja de Castro Marim.
O meu contou-me que estava a trabalhar em Santa Luzia, lá para os lados de Tavira, e após terminar a noite de trabalho na padaria, veio de bicicleta para Vila Real e, depois, lá foram os noivos, a pedalar rumo ao casamento em Castro Marim.
 
O meu pai contava 23 anos. Exercia a profissão de Padeiro. A minha mãe 20 anos. Exercia a profissão de Operária Conserveira. Começaram por viver na zona das Hortas, nos arredores, no terreno do Manuel Belião.
Depois vieram viver para a Avenida da República, junto ao Guadiana, perto da Barbearia do Zé Tacão. É dessa zona que guardo as mais belas recordações da minha infância. O rio. Os barcos. Os cânticos que se escutavam oriundos de Espanha. Os presépios de Natal. E aquele quadro de veludo com Jesus Cristo, na cruz. Uma memória que nunca esquecerei. Vi a minha mãe chorar, agarrando-o nas mãos.
Um quadro que a minha irmã Josefa um dia disse-me: “Estava em casa, foi guardado pela avó. Está aqui, é para ti.”
E está, de facto, no meu escritório. Uma companhia.
É dessa casa que tenho dentro de mim o sorriso alegre da minha mãe, o seu carinho e ternura. O meu pai era mais desligado. Viviam solidários.
 
Deixaram três filhos – António, Carmina e Josefa. O primeiro, Humberto, não viveu um ano.
O Pereirinha, jogador de futebol, da equipa do Celeiro, onde alinhou ao lado do Cavém, o internacional do Benfica.
A Rita sempre irreverente, com um sorriso a brilhar nos lábios. Uma mulher de fé e com grande amor pela vida.
Viveram felizes até que a minha mãe partiu tinha 30 anos. Ficamos três crianças.
Eu e a Josefa na Rua da Espanha, com a avó.
A Carmina foi para a casa da Tia Arminda, integrando-se numa família de 4 primos, todos rapazes.
 
É verdade, faz hoje, dia 20 de setembro, 73 anos que eles - Rita e António - uniram o coração, construindo um futuro, que se propagou e está a pulsar, vivo, bem vivo, pelo Barreiro, por Vila Real de Santo António, por Cabanas de Tavira, pelos Estados Unidos da América, por Amesterdão.
Filhos, netos e netas, bisnetos e bisnetas que sentem, não tenho dúvidas, carinho pelas suas raízes.
 
António Sousa Pereira
 
 

Espaço verde ao abandono na Urbanizacão dos Loios no Lavradio

369723953_10226604768484015_2251009875639385281_n.

Na Praceta José Domingos dos Santo, na Urbanização dos Loios, um espaço verde está completamente sem qualquer tratamento, nem rega. Pode-se dizer-se aquilo é terra de ninguém, está ao abandono.

 

A União de Freguesias do Barreiro e Lavradio divulgou a realização de uma intervenção em diversos pontos do espaço público na Urbanização dos Loios.  

E, na verdade, dito, está sendo cumprido. As obras são visíveis no melhoramento de alguns recantos, com intervenção nos passeios e zonas verdes envolventes.

A pergunta que se coloca é a seguinte: porque razão estão melhorados aqueles espaços, enquanto outros estão ao abandono?

Pelo que apuramos, no diz que diz-se, existirá um problema com a ligação do sistema de águas, da competência da Câmara Municipal, e, este assunto arrasta-se sem solução.

Fica esta triste imagem. Talvez um dia, qualquer dia, de novo aquele espaço volte a ser verdejante.

 

António Sousa Pereira

Fabriquismo: expressão da crise existencial

1000259.jpg

 

Desde que surgiu o slogan «Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local», nunca fui muito apreciador do dito, porque me transmitia um sentimento nostálgico, depressivo, saudosista, e, simultaneamente triste porque era vazio de um sentido, qualquer coisa que apontasse uma ideia positiva no fazer cidade.

Se não estou em erro este slogan surgiu ligado à promoção de uma eventual  plataforma que seria criada, ou estava a ser criada, com a finalidade de dinamizar o tecido empresarial local. Neste contexto e vivendo-se um  tempo pós desindustrialização, até, não liguei aos meus sentimentos, porque, na verdade, admiti poder tratar-se de um pensamento – slogan - que podia trazer atrás de si alguma ideia estruturante para dinamizar, dar energia e força ao tecido empresarial local, que, sem dúvida, de alguma forma já, há algum tempo, vivia com grande resiliência e enfrentava uma situação depressiva, tal como todo o concelho, quer devido ao processo de desindustrialização, quer devido às crises financeira e imobiliária, assim como aos tempos de troika, e, ainda, os tempos de pandemia COVID 19.

 

Por tudo isto olhei e pensei o slogan com algum desconforto, mas, enfim, dei o benefício da dúvida por pensar que seria parte de uma estratégia de coaching, para estimular o tecido empresarial. Coisa que, depois, na prática, nunca senti nascer qualquer dinâmica especifica.

 

Mas, o dito slogan, na realidade começou, pouco a pouco, a fazer parte da estratégia de comunicação autárquica. É como tudo, primeiro estranha-se, e, como diria o poeta, depois entranha-se. Engole-se.

Mais tarde, com a abertura da Start up Barreiro, notei que o dito slogan aparecia associado à divulgação de eventos que eram promovidos naquele equipamento municipal, o qual é dito como apostado na promoção do desenvolvimento empresarial e económico. Foi, talvez, com esse objectivo que Bruno Vitorino, lançou a ideia, embora, acredito tinha outras ambições, dado que sempre defendeu a criação de uma Agência de Desenvolvimento Local.

Em suma, o slogan «Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local”, acaba por transformar-se como um lema que pretende transmitir um pensamento politico de desenvolvimento local, e, através do qual o executivo municipal, pretende dar a sua visão do pensar futuro.

Assim, pouco a pouco, ao longo do tempo, a comunicação autárquica, foi enxertando este slogan nos seus documentos e procurou introduzi-lo na vida local, afirmando-o como uma ideia-força do pensamento estratégico do executivo maioritário, e, naturalmente, só dele, dado que nunca escutei a discussão, abordagem ou aprovação do  dito slogan, numa reunião da autarquia, nem sequer foi aprovado como lema do município, pelo executivo municipal. Que eu saiba, não houve nem aprovação, nem reprovação em reunião de Câmara. Foi sempre um não tema. Um não assunto.

Este era o slogan que exprimia o pensar cidade e o fazer cidadania, da gestão maioritária. Que decidiu, está decidido.

 

 

Na verdade, desde que o dito slogan foi criado senti nele um profundo vazio, até, sublinho, senti nele a expressão de um certo “narcisismo local”.

Por várias vezes, estive vai não vai, para escrever e expressar a minha interpretação sobre este slogan, reflectir sobre a minha interpretação do seu conteúdo, que me parecia querer vender gato por lebre, não passando de um mero slogan aculturado, que era expressão de uma ideia de desconstrução do passado, e, que pretendia ser a expressão de um tempo de transição, marcando a diferença, entre uma cidade que tinha uma identidade de cultura de fábrica, e, o nascer de um tempo novo, marcado pela perda de identidade e carente de puxar pelo “orgulho local”. Dar uma nova dimensão à cidade valorizando as emocionais mudanças e criando uma gestão de sentimentos e promoção de emoções, fruto de uma cidade à procura de si mesma, e, perante todas esta nova realidade o município colocava-se como força central do fazer cidade. Um erro estratégico, porque a cidade é de todos e não do município.

Não escrevimada, afinal, achei que se o município adoptava este slogan devia ter alguma visão estratégica e pensamento politico que ao longo do tempo seria, naturalemte, desenvolvido e certamente afirmado.

Para afirmar orgulho de qualquer coisa é preciso mais que a palavra orgulho, é preciso que existam valores e objectivos.

Nunca expressei a minha insatisfação com o vazio que sentia existir neste slogan. Silenciei. Muitas vezes, na vida, é melhor calar. Mas calar, tem um tempo quando, a vida, por factos e coisas, faz emergir a realidade que se esconde por trás de um slogan. Um vazio. E uma dimensão politica e ética, meramente circunstancial e sem visão de futuro.

 

Foi por isso que comecei por estranhar o facto de nas Festas do Barreiro, em honra de Nª Srª do Rosário, as Festas da Cidade, que tem uma Comissão de Festas, ser esse o slogan adoptado como lema do material promotor das festas, independentemente de o principal financiador das Festas ser a Câmara Municipal do Barreiro, as Festas são um evento de dimensão histórica e cultural na vida do concelho.

Na realidade, considerei que o município estava a utilizar um evento com raízes profundas na vida da comunidade para promover uma campanha de marketing municipal. Fez-me lembrar os tempos que a Festa do Barreiro, foi realizada com o lema – Festas da Paz  e da República, promovidas pela Comissão Administrativa, após o 25 de Abril.

Mas pronto, o poder absoluto tem estas coisas, por vezes, leva a pensar que se é dono disto tudo.

 

Não gostei desta ligação, mas, ainda pensei que era uma situação que emergia, no contexto da Mostra Empresarial, pomposamente denominada BARRIND, mas que BARRIND nada tem, porque aquela mostra, é, isso e apenas isso, uma Mostra empresarial, direi mais, este ano era uma Mostra institucional e imobiliária.

 

Enfim, mais uma vez não liguei até ao dia que surgiu aquele vídeo, da comunicação autárquica- que mistura as Festas com Câmara e BARRIND, não se percebendo onde acaba uma coisa e começa a outra, esse célebre vídeo produzido, com “orgulho local” e “fabricado no Barreiro”, foi feito para convidar todos a vestir, no último dia da festa, a T-shirt com o lema –«Fabricado no Barreiro : produzimos orgulho local», e, afirmando que esta frase e esta T-shirt era o lema oficial da festa.

 “Junte-se a nós neste movimento”, afirmava-se, propondo assim, o lançamento de uma acção que seria promotora da criação de um movimento fabriquista de “orgulho local”.

Isto tocou os meus nervos. Pensei, tenho que escrever sobre este assunto. Ponto final.

 

E, quando andava nesta reflexão, um amigo meu, militante e activista do PS, mandou-me uma mensagem a perguntar, se eu não ia vestir a camisola no último dia da festa, acrescentando, na sua nota que estava a provocar-me e a brincar.

De imediato, dei-lhe a minha resposta, que considerava este “movimento” em torno da T-shirt «Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local» como um exemplo ridículo do fazer politica e uma forma de municipalização da cidade  e da cidadania. Nunca o PCP, tão acusado de repressivo, atingiu estes patamares.

 

Disse-lhe ainda que, o “produzimos orgulho local” é um exemplo real dos tempos que vivemos do pós desindustrialização, porque nele está inscrito  um vazio de identidade, uma vazio de ideia de cidade, sendo a demonstração plena da carência de afirmação do concelho. Este é um slogan que espelha um sentimento de perda de identidade, que inscreve dentro de si um ressentimento de quem pretende reescrever o passado.

O lançar de uma semente apontado para a criação de um movimento do fabriquismo, é, disse-lhe a negação de uma cultura que integra a história do concelho, uma cultura de vizinhança e solidária, que tem valores republicanos, democráticos, socialistas, anarquistas e de liberdade.

 

Entretanto, uma amiga minha, nas redes sociais, escrevia: “amanhã vou vestir a camisola, porque eu fui fabricada no Barreiro”. Estas palavras foram mais uma situação que me fez pensar sobre esta cultura emergente do fabriquismo que “produz orgulho local”.

Um movimento que nasce com uma dimensão social de narcisismo comunitário. Assim, pensei que esta era mais uma razão que me impedia de vestir a dita camisola, porque não nasci no Barreiro, não fui aqui fabricado.

E, com alguma emoção, ao escrever estas palavras, sinto pulsar na minha mente, aquela frase de Emidio Xavier, quando afirmou que o melhor do Barreiro são os barreirenses, todos, todos, todos, aqueles que aqui nasceram e aqueles que aqui construíram as suas vidas e de suas famílias.

É que orgulho local, isso, é coisa que não se produz, não é matéria fabricada, as emoções fabricadas são as que visam estimular os instintos, promover o consumismo. As emoções fabricadas não tem nada a ver, mesmo nada, nem nada que com tal se compare, como aquela expressão libertadora que se dizia, com sobriedade cultural, e, até, com altivez no coração, naqueles tempos antes do 25 de Abril, quando se afirmava: “Sou do Barreiro. Vivo no Barreiro”.

Naquele tempo, isso significava ser um ser humano livre, ter honra, dignidade, amar uma terra que sendo sua, ou onde nela se viva, era uma referência viva de resistência, de luta pela Liberdade e Democracia. Isto orgulha qualquer barreirense aqui nascido, ou que aqui tenha aprendido a amar a Liberdade. Uma terra de homens e mulheres que lutavam pelo futuro e sentiram na pele as perseguições. E hoje, são tão esquecidos e ignorados. Homens e mulheres que lutaram contra o pensamento único e sabiam que não é só de pão vive o homem, por isso, havia, na vila operária, mais vida para além da fábrica.

 

O actual movimento do fabriquismo, que produz orgulho local, é a expressão de um vazio de identidade, de ausência de ideias que envolvam a comunidade, é o fruto de um pensamento politico que se olha ao espelho e pensa ser o centro da vida. Orgulhosamente.

 

O movimento do fabriquismo é mais uma, das muitas situações que nos últimos anos têm sido geradas por forma a manter um permanente caldo, em banho de maria, do pensar a cidade como um lugar onde há bons maus. O dividir para reinar. Os bons serão os que vestirem a camisola. Os maus serão os que não a vestem, esses serão os aziados.

 

O slogan « Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local», contrariamente ao que podem pensar, não foi promovido e assumido como uma ideia promotora de uma identidade, de uma cultura, de uma ideia de cidade ou de valorização da cidadania. É coaching. É gestão de emoções.

O slogan foi criado para servir como espelho, onde todos temos que nos sentir reflectidos.

Por isso, apenas por isso, com a vontade de criação do dito movimento do fabriquismo, do vamos vestir a camisola do “fabricado no Barreiro”, hoje, sinto que o slogan está morto.

A ambição de criar um movimento de dar expressão a uma ideia vazia, querendo ir mais além que a insignificância do slogan e do seu conteúdo, deu-lhe uma estocada de morte.

 

A partir de agora, de facto, é esta a realidade.

Este slogan não une, divide.

Este slogan, na estimula, desmotiva.

Este slogan não faz unidade social, promove o confronto.

Este slogan não transporta amor, veicula ódio.

Este slogan, não promove identidade, estimula ressentimentos.

Este slogan transformou-se numa espécie de expressão de um movimento politico sem dimensão histórica e sem marca no futuro.

Este slogan está morto, porque municipalizou a cidade e quer municipalizar a cidadania. Enterrem-no, ou reduzam-no à sua insignificância.

 

Quando pensava em tudo isto, ocorreu-me que este slogan, afinal, tem dentro de si uma problema psico-social, que se cruza com a história do concelho do Barreiro, a velha questão filosófica do papel do “eu” e o papel do “nós” na acção cultural e sócio-politica.

O Barreiro, durante muitos anos viveu um problema no seu quotidiano, porque, colocava por regra o  “nós” como sendo ele a expressão do “eu”, e, simultaneamente dizia que o “nós”, era a soma de muitos “eus”. Era a cultura da fábrica. O colectivismo.

Este slogan “Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local”, inverte essa situação e perspectiva, porque, agora, quer que o “eu” se dilua no nós.

Este slogan, infelizmente, transforma o  “eu” num “nós”. Se antigamente o nós era a soma de eus. Hoje pretende-se que eu tenha um sentir colectivo. O «eu» tem que ser vivido num «nós». Este fabriquismo quer, na prática, que cada «eu» seja um “nós” – o tal orgulho local. Nietzsche, explica isso.

 

Pensando nisto, disse, para mim mesmo: nunca irei vestir aquela camisola, com aquele slogan, narcisista, depressivo, saudosista e promotor de um pensamento único. Sou um homem livre, que quer viver a democracia como confronto de diferenças e não como um pensamento único.

Já sei que estou lixado. Vou ser rotulado como aziado e ressabiado, e, obviamente, de alguém que está ao serviço dos comunistas. Uma força que dizem está morta, mas, afinal, parece que existe em cada critico.

 

Uma coisa é certa, após a promoção do «movimento do fabriquismo», tenho dúvidas que, alguma vez, no futuro esta camisola, ou este slogan, seja um elemento de coesão local, ou de valorização da identidade local, quanto muito será a expressão de um qualquer subtil populismo.

 

A verdade é que o fabriquismo não promove a esperança, nem promove a fraternidade.

O fabriquismo abre brechas no tecido social da cidade, gera conflitos de personalidades, desconstrói a história, e,  por fim, não gera pensamento alternativo no fazer cidade e cidadania.

O fabriquismo é uma espécie de exigência moral, de promoção de um orgulhismo, clubista e patético, que não tem valores, nem princípios, é a-ideológico, e, apenas quer contribuir para estimular o populismo.

Vestir a camisola é uma espécie de um regresso ao 1984 de Orwel, somos todos iguais, com a mesma camisola, mas há uns mais iguais que outros.

 

“Fabricado no Barreiro: produzimos orgulho local”, já está morto como slogan unificador do pensar e fazer cidade e cidadania. Está municipalizado na sua própria ambição. A serpente que come o seu próprio ovo.

Afinal, na vida, há mais vida para além do município. O fabriquismo é um orgulho balofo e municipalista.

Ah, é verdade, eu disse ao meu amigo socialista, em resposta ao seu convite, de vestir a camisola, que um dos problemas do PCP, no Barreiro, foi não escutar a cidade, e, por vezes, pelo facto de ter a maioria absoluta, ter na sua gestão uma doença que o levava a pensar que era dono disto tudo.

O “Fabricado no Barreiro- produzimos orgulho local”, está eivado dessa doença, por isso, é um slogan oco, neurótico. Está morto. A sua morte é uma morte que foi anunciada em festa, na festa. Pode continuar, mas será só para a festa de alguns.

   

No futuro, por muito que pretendam dar a volta, com esta tentativa de criação de um “movimento fabriquismo”, no encerramento das festas do Barreiro, geraram as condições para criar o cadáver do “orgulho local”, e, daqui para a frente vamos assistir aos confrontos que vão conduzir à morte deste slogan narcisista.

Este slogan, está, desde já, transformado numa pedra de arremesso, de permanente agressão politica, é um lema que vai colocar sempre de um lado os bons e do outro lado os maus.

E, digo-vos, de facto, já começa a cansar, fazer da politica uma guerrilha permanente, em busca do inimigo comum, ou de um bode expiatório, em vez de ser o debate de ideias e de projectos, não uma permanente diversão de slogans e clichés.

Ainda há quem se admire das pessoas estarem fartas de políticos e de politiquices de meia tijela, que é aquilo que cria as razões que desmotivam e levam as pessoas a não ligar à vida politica.

 

“Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local”, será no futuro o slogan limitado a algum PS, ao executivo municipal maioritário, será a camisola que vai ser vestida por alguns funcionários públicos, e, por outros, que, levados na onda do marketing politico, por amor ao barreirismo, vão sentir a felicidade de sentir que integram um movimento ligado ao poder dominante.

Este, acredito, vai ser um tema que poderá motivar uma ampla reflexão sobre a partidarização do Poder Local, sobre a municipalização da cidade.

Vai ser tudo o que quiserem mas não será um slogan para promover um marketing territorial, nem valorizar a cidadania, porque já tem dentro dele a marca da conflitualidade partidária.  

Entender a diferença entre autarquia, partido, e separar as águas, é essencial, para  fazer futuro.

Este slogan não veio para unir, este slogan veio apenas para dividir e transformou-se num instrumento municipalizador da cidadania e de partidarização do município.

O fabriquismo é, sem dúvida, a expressão de uma crise existencial e da  perda de memória cultural.

Terá sido acaso? Ou, na verdade, é mais do mesmo?

Cá por mim, este slogan morreu, e, desde já, o fabriquismo transformou-se numa nuvem de orgulho passageira, que se dilui no seu próprio vazio de pensamento, e, o futuro confirmará que ele é apenas um fruto das vivências de festas e consumismo. Populismo e eleitoralismo.

 

António Sousa Pereira

Se todos percebessem o valor que tem para um homem um aplauso, de pé!

IMG_2897.JPG

 

Augusto Sousa, ontem, ao fim da tarde, ali no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no dia que se celebraram 40 anos da fundação da RUMO, recebeu um caloroso aplauso, de pé, todos de pé, num só som, num gesto humano e simples, um aplauso, neste tempo de pandemia, tem a força de um abraço enorme, assim como quem diz: Obrigado, Augusto Sousa.
 

Luisa Malhó, Directora do Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal, no decorrer da sessão de encerramento do Seminário Comemorativo dos 40 anos da RUMO, recordou que, nos anos 80, quando na região se sentiam os efeitos de um processo de desindustrialização – há 40 anos atrás, quando o mundo era bem diferente, nesse tempo, que ela, recém licenciada, estava a iniciar a sua vida profissional no Centro Regional da Segurança Social, perante a necessidade de implementar o Programa Escolhas, partiu para o terreno, e, então, veio rumo ao Barreiro para reunir com Augusto Sousa, um rosto que era indissociável da RUMO. Um nome de referência na região.
>
A RUMO recordou desenvolvia um trabalho pioneiro na área social no Distrito de Setúbal.
A RUMO tinha um rosto, esse rosto era Augusto Sousa – um pioneiro em matérias de inovação e criatividade, salientou Luisa Malhó.
E, ali, neste século XXI, ao recordar o fundador da RUMO, pediu a todos que lhe prestassem uma homenagem com um aplauso.
A sala ergueu-se, de pé, num caloroso e intenso aplauso a Augusto Sousa. Um gesto de gratidão.

Augusto Sousa, nos dias de hoje aposentado, é um homem que continua no quotidiano a debater ideias, a intervir, a participar em projectos, a viver a cidadania activa.


Teima em manter vivo o sonho da inovação, da criatividade.
Teima em manter viva, essa ideia simples que viver a vida é aprender, que aprender é inovar, criar, sonhar.
Teima em acreditar que não há nada que pague, esse sentimento de vida activa, de ajudar a sonhar num mundo melhor.
Teima em acreditar que pela nossa acção damos um pequeno contributo para semear essa semente que, ora aqui, ora ali, dá um pequeno fruto que mantém a porta aberta à esperança.
Teima em acreditar no sonho de um mundo melhor, mais humanizado, e mais inclusivo.

Augusto Sousa, ontem, ao fim da tarde, ali no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no dia que se celebraram 40 anos da fundação da RUMO, recebeu um caloroso aplauso, de pé, todos de pé, num só som, num gesto humano e simples, um aplauso, neste tempo de pandemia, tem a força de um abraço enorme, assim como quem diz: Obrigado, Augusto Sousa.

Acompanhei ao longo de anos o trabalho de Augusto Sousa, a sua força e a sua vontade de servir, de superar as dificuldades, do esticar daqui, puxar para ali, de tempos duros, de tempos dificeis. Projectos. Candidaturas. Projectos que acabavam, por vezes, sem mais nem menos, sem justificação, só porque sim, porque existiam outros interesses, neste mundo de jogos e movimentações.
O Augusto Sousa, como disse Luisa Malhó, era uma referência de inovação e criatividade, de luta e vontade de fazer cidade e cidadania.

Uma luta que vem desses anos 80, o tal tempo sem internet, sem redes sociais, mas que Augusto Sousa, lutava e acreditava noutras redes, as redes humanizadas ao serviço da comunidade. E continua a acreditar.

Os exemplos da RUMO, do fazer cidadania, do fazer comunidade, muitos, de muitos lados do Alentejo à área metropolitana, pela Europa, receberam as sementes do Barreiro, do trabalho de equipa que é uma marca que perdura na RUMO. e por lá germinam.
Ainda hoje, continuam a renascer projectos e a serem definidas estratégia de intervenção social, em diversos pontos de Portugal e do mundo, cujas sementes foram lançadas de forma pioneira e embrionária no Barreiro. A cidade do associativismo.

Essas sementes que fazem sonhar e acreditar no tal mundo que é de todos, feito por todos. Um mundo de aprendizagem permanente. A tal aprendizagem ao longo da vida. Aquela que se aprende caindo, erguendo, voltando a cair e renovando forças. Acreditando.
Sempre acreditando nesse lema que faz parte da história da RUMO: PARA CADA PESSOA UM PROJETO DE VIDA.
Foi essa a missão que nos anos 80, em tempos duros, do século XX, marcou o trabalho da RUMO.
É essa a missão que continua, em tempos duros, neste século XXI, a ser a marca do trabalho da RUMO.

Foi giro, ao fim da tarde, 40 anos depois, escutar aquele aplauso a Augusto Sousa que, sendo para ele, é também para todos os que nos dias de hoje, no quotidiano, continuam a trabalhar fazendo da vida uma missão, de serviço social e de valorização das pessoas e da comunidade, porque, afinal, uma pessoa a viver melhor é uma comunidade a viver melhor.

Fica este registo, de um aplauso, que nos fez mergulhar em memórias.
Afinal, se todos percebessem o valor que tem para um homem um aplauso, de pé, certamente percebiam melhor o sentido da vida, o que é dar um sentido à vida. Não há preço que pague o calor de um aplauso, isso é que é lindo!
Parabéns RUMO! Obrigado Augusto!

António Sousa Pereira

Eduardo Lourenço – o homem que me fez sentir Europa e pensar o 25 de Abril na história

127889720_10220585466045216_1425317312140591282_o.

 

Fez-me pensar Portugal no mundo. Fez-me pensar Portugal na saudade – do ser que somos e fomos.
Fez-me sentir a importância e o significado do 25 de Abril na história quase milenar de um povo. Uma marca única – o antes e o depois.
 
 

Lia. Guardava. Reflectia. Os seus textos no JL eram para mim um encontro com o pensar, e, dar asas ao pensamento.
Através da sua obra e dos seus textos, motivou-me a pensar Europa, a pensar Portugal na cultura europeia. Fez-me pensar Portugal no mundo. Fez-me pensar Portugal na saudade – do ser que somos e fomos.
Fez-me sentir a importância e o significado do 25 de Abril na história quase milenar de um povo. Uma marca única – o antes e o depois. Pensar este território europeu, onde a terra acaba e o mar começa, este território que a beijar o Atlântico, se fez mar, esse mar que se fez história, que se fez língua no mundo. Por isso, fez-me sentir essa data – 25 de Abril – na história e com a dimensão da epopeia milenar do meu povo. Esse, que sou, Portugal.
Fez-me sentir e pensar, esse momento único de ruptura da nossa história, uma referência inquestionável, do ser português, do ser Portugal – que foi no seu enorme passado e, também, naquilo que é, e será no futuro, tal como dizia o poeta, o Pessoa, que ele amava. Cumpriu-se o mar. Falta cumprir-se Portugal.

Esse Portugal que rasgou as portas do medo dos oceanos, abriu as janelas das incertezas, por onde espreitou – África, Brasil, a India e o Oriente, e, por fim, abriu um tempo de esperança, num mundo novo, esse, como diz Hegel, que foi o tempo e a epopeia que abriu as portas à história da modernidade da humanidade.
Tudo isto fui pensando e sentindo, com Eduardo Lourenço, mergulhando no tempo, no espaço, na memória, na história e nas estórias, em tudo isso, que faz uma identidade, única, inscrita no mundo, através de uma língua.
Essa língua que é a marca de um povo, esse traço de um povo pioneiro, um povo que se emociona, quando pensa com ternura África, um povo que raciocina quando pensa com ambição o ser Europa, um povo que se interroga e pensa com saudade o ouro do Brasil.
Um povo provinciano e cosmopolita. Um povo que abraça e se faz humanidade beijando e germinando, na sua imensa pluralidade.
Um povo que é saudade, essa saudade que se faz fraternidade.

Foi tudo que isto que aprendi a pensar com Eduardo Lourenço, na simplicidade dos seus textos, na profundidade das suas reflexões.
Obrigado, Eduardo Lourenço!

António Sousa Pereira

Filigrana

poema.jpg

 

Os dias podem ser de ouro,
os dias podem ser dourados,
serão isso, apenas isso,
dias de ouro,
dias dourados.

O mais belo é sentirmos,
que eles são filigrana,
finos,
suaves,
ternos,
dedos a cerzir,
os nervos em chama.

Esses. Só esses.
São dias poema!

António Sousa Pereira
28 de Maio de 2020

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Links

COMUNICAÇÃO SOCIAL

AUTARQUIAS

ESCOLAS

EMPRESAS

BLOGUES DO BARREIRO

ASSOCIAÇÔES E CLUBES

BLOGUES DA MOITA

SAPO LOCAL

PELO DISTRITO

CULTURA

POLITICA

TWITTER

FACEBOOK ROSTOS

Em destaque no SAPO Blogs
pub