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Entre Tejo e Sado

Por dentro dos dias e da vida

Por dentro dos dias e da vida

Dos Resistentes Antifascistas às memórias do futuro!

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Desde há muitos anos existe na toponímia barreirense uma Rua que presta uma justa homenagem aos Resistentes Antifascistas, que foram muitos, e, na verdade, nem todos foram presos pela PIDE. Há muitos esquecidos. Foram Comunistas. Católicos. Socialistas. Republicanos. Sem partidos. Sem religião. Homens e Mulheres de corpo inteiro. Este imenso património imaterial, muito dele guardado na Torre do Tombo, devia merecer investigação. Preservação. Tanta coisa já se perdeu.  

 

Hoje pela manhã passei naquela artéria, e, enquanto descia a rua, no meu pensamento ocorriam-me muitas memórias. Afinal, todas as ruas têm memórias inscritas. Tanta coisa que me ocorreu ao pensamento. São as memórias dos lugares.

Ali, nos TCB, vivi a trabalhar uns dias, depois de cinco anos de “prateleira”.

Um dia, o Carlos Maurício, lançou-me o repto de ir para a Protecção Civil, e, por ali estive uns meses a desembrulhar documentos encaixotados. O arquivo do extinto Serviço Municipal de Protecção Civil, criado nos tempos do João Pintassilgo, numa epopeia histórica da Isabel Tavares, que contou a colaboração do Comandante Encarnação Coelho, um tempo em que se dinamizou o primeiro Plano de Protecção Civil da Quimiparque. Este que foi um dos primeiros planos de protecção civil do país.

Enfim coisas, que as ruas trazem à memória.

 

Uma rua com mutas memórias. Recordei o dia que visitei o espaço da Fábrica de Cortiça, há anos abandonada.

Uma fábrica onde trabalhou o Ti’ Jerónimo Alves, Sócio Honorário da SFAL, que não foi preso pela PIDE, mas que foi chamado à António Maria Cardoso, ele, e o Ti` Mário Saraiva, também Sócio Honorário da SFAL, porque a SFAL promoveu um Colóquio com Urbano Tavares Rodrigues. Não foram presos. 

A fábrica de Cortiça que passou para propriedade da Câmara Municipal do Barreiro, na gestão de Helder Madeira, para ali localizar as novas Oficinas dos TCB, processo que, depois, foi concretizado na gestão de Pedro Canário.

Naquele tempo, quando se contavam os tostões para manter vivos os transportes públicos, sem apoios governamentais, sem a contrapartida devida dos passes sociais. Não havia PRR. Nem se cumpria a Lei de Finanças Locais.

Este serviço, era, e continua a ser um serviço essencial na comunidade. Os TCB que receberam o maior investimento público municipal, estratégico, realizado na última década, desenvolvido e concretizado na gestão da CDU, com o apoio do governo PS, e, concluído na gestão autárquica PS. A remodelação total da frota.

É assim a vida autárquica uns resolvem uns problemas, outros resolvem outros. Há espaços abandonados que deixam de estar abandonados. Nada de novo. Mas há aqueles que, enfim, acham que o mundo começa sempre, sempre, no agora. Parece uma cassete. Não há nada a fazer. Há quem chame a isto populismo. Mas, nos tempos de hoje, pelos vistos, é o que está a dar votos.

Pois, até há espaços que estavam abandonados e, hoje, ou, já há muito tempo, podiam ser um amplo espaço público aberto, um imenso espaço verde, junto ao Tejo e à natureza. E lá continua há 7 anos ao abandono – a Quinta de Braamcamp.

 

Mas andava por ali, naquela rua, dos Resistentes Antifascistas e recordei, uma conversa que tive com o Ti Flávio Alves, um homem preso pela PIDE, devido à grande jornada da bandeira vermelha. Ele comentou as reuniões que se faziam nos terrenos, junto à Estação do Lavradio, ao cimo da rua, para preparar greves ou jornadas de luta. Uma delas o 18 de Janeiro de 1934.    

 

Pensava em tudo isto e na minha memória sentia o pulsar de uma memória, aquela de uma comunidade que lutou, sofreu, sentiu, na pele, no corpo e na consciência a dor do amor á liberdade, perante um regime opressor.

Sim, essa é uma das marcas culturais do concelho do Barreiro, uma realidade que está inscrita na memória desta comunidade, essa realidade de resistência e luta, de amor à democracia, que se vivia na vida associativa, esse amor à Liberdade que nascia nos movimentos das crianças e jovens que davam alegria aos dias, nessa epopeia que escrita a palavras de ouro que se dizia : JJB – “Jogos do povo e para o povo”, frase que a censura cortou num artigo que escrevi para o Noticias da Amadora.

O concelho do Barreiro, apesar de alguns quererem nos últimos tempos ignorar, foi uma terra operária, de cultura solidária, de relações de vizinhança e proximidade, de cultura de fábrica. Homens e mulheres com um legado histórico de luta e combate, pela Liberdade e Democracia.

Uma terra onde, no dia 4 de Outubro de 1910, antes de ser assinalada em Lisboa, nos Paços do Concelho do Barreiro, era assumida a implantação da República, sendo a Comissão Administrativa, que tomou o poder, composta por homens amantes da Democracia, na sua maioria, homens justos e livres que integravam a loja da Maçonaria do Barreiro.

Uma terra que após o 25 de Abril, em que todos decidiram destituir a Câmara Municipal do Barreiro, foi nomeada uma Comissão Administrativa, composta por 19 pessoas, de diferentes orientações políticas, de diversas áreas de pensamento, que abriram caminho ao Poder Local. Uma Comissão presidida por Helder Fráguas. Um vulto cultural e civico. Uma Comissão que era bem um exemplo da pluralidade e da democraticidade conquistada com Abril. Uma memória da democracia por escrever, como exemplo de democraticidade e respeito pelas diferenças.

 

Uma terra que ao longo de gerações foi humilhada com cavalos nas ruas, o medo a aterrorizar, as escutas nos cafés e no seio das famílias. Uma terra onde a resistência doía e o silêncio era a forma de evitar os que gostavam de cultivar o pensamento único.

Uma terra que, um dia, um amigo falava-me que exista o “reviralho”, que também era resistente, pela calada da noite, alguns barreirenses que, durante o dia desempenhavam funções na vida social e, depois, de noite eram resistentes ou resilientes, muitos daqueles que diziam com orgulho: “Sou do Barreiro”, porque ser do Barreiro era ser de uma terra de referência, de luta, de trabalho e de resistência.

Recordo um médico que de dia conviva com o regime, era peça do sistema, e, à noite, pelo silêncio da noite, era conduzido, até às casas esconderijo, para prestar assistência médica aos comunistas na clandestinidade.

Por isso, ao passear pela Rua dos Resistentes Antifascistas, recordei que há muitos mais, mesmo muito mais, resistentes no concelho do Barreiro, que aqueles que estão registados na Torre do Tombo e nos arquivos da PIDE. Há uma cultura. Há um património imaterial, único.

Homens e Mulheres que viveram a democracia, a luta pela democracia, o amor à Liberdade, o combate pelos direitos humanos, com dignidade, em gestos e atitudes que foram mais, muito mais, que um acto abnegado de coragem ou bravura, ou de acaso da vida.

Foi acção politica! Foi acção de resistência! Foram décadas! Foram gerações!

Foram homens e mulheres que, no silêncio, muitos sem puxar de louros, viveram as suas vidas com a palavra Dignidade, de quem não dobra o joelho, de quem não teme os poderes instituídos, reis de circunstância, e, por isso, assumiam as vidas com a força de ser cidadão, cidadão de corpo inteiro, com direitos e deveres.

Cidadania! Ser cidadão! Actos de consciência civica! Actos de Liberdade!

Homens e Mulheres que sonharam, sofreram, de forma resiliente, com lágrimas no coração, para ver nascer aquela madrugada pura e limpa. Quantas lágrimas de mães, filhos e netos, que não sentiram a prisão, mas sentiram no coração, a luta dos seus, pelo amor à Liberdade.

“Por trás daquela janela está meu amigo”, cantava Zeca Afonso, a propósito de um preso político do Barreiro. Alfredo Matos.      

 

Tudo isto ocorreu-me hoje, de manhã, ao passar na Rua dos Resistentes Antifascistas, ali, no Lavradio.

Obrigado a quem, um dia, decidiu prestar esta homenagem, a todos e todas, sim, a todos e todas, que lutaram pela Liberdade, inscrevendo esta memória na toponímia barreirense. Na verdade, estão lá, naquela rua, os presos e os não presos. Está ali a cultura de uma terra, que se fez com trabalho, com memória e com luta. Resistência.

Um legado, um património imaterial que orgulha, sim orgulha, este orgulho de amar a Liberdade. De resistir. De ser resiliente. De ser Barreiro.

 

O Barreiro foi uma terra de resistência. O problema é que, nos últimos tempos tem havido por aí uma lufada de pensamento que na ânsia de tapar da história o PCP, até tem tapado a história da resistência, da cultura barreirense. Aliás, por vezes, até se cultiva a ideia que o atraso, o dito abandono do Barreiro, a não exploração do potencial, tudo isso, afinal, só tem um culpado o PCP.

A suburbanidade a que esta região tem sido legada a culpa é do PCP. Coisas da democracia. E depois queixam-se dos votos de protesto ou de indignação contra o sistema. Ontem era o PCP o culpado, e, um destes dias, outros vão seguir-se. Aliás, na recente campanha eleitoral já se dizia que a culpa do atraso é da esquerda. E, quem sabe, mais tarde, serão outros, se isto, de facto, continuar a ser o paraíso do imobiliário, sem empregos, e, não passar de uma zona suburbana que diariamente viaja para a outra margem. Pois, é verdade, cada vez são mais.

Depois será tarde. Enfim, basta recordar Brecht!

 

Mas, entretanto, quando bebia uma café, apareceu amigo que me contou estórias dos seus dias, aqui no centro do Barreiro, quando viveu o drama de sentir o Parque António Oliveira Salazar, hoje Parque Catarina Eufémia, cercado por GNR, após uma guerra de ovos, nos dias de carnaval, e, na fuga, levou uma cacetada no ombro, que rasgou a pele, e, ainda hoje, tem a marca desses dias no corpo e no brilho dos seus olhos. A GNR metia medo.

Não sei o que ele é politicamente. Não é do PCP. Nunca foi preso. Nem nunca foi à Pide. No seu Bairro operário havia bufos. Havia lutadores. Esteve nas lutas das eleições de 1973. Ele, como muitos jovens da sua geração, têm bem gravado na memória esses dias de amor à Liberdade, memórias da cultura da sua terra. Terra dele, que não é a minha. Minha, é só a raiz que cá tenho dos meus filhos e neta.

 

Uma geração que viveu o amor à Liberdade, uma luta que ficou inscrita em muitas gerações,  que nem cavalos, baionetas, ou bastonadas, silenciavam.

Uma cultura que ela mesma está cantada nas vozes de poetas, como Manuel Alegre: “Há greve no Barreiro!”

“Não esqueço aquele dia que os cavalos entraram no café Pilar, ali no Largo da Santa”, disse-me ele.

Eu comentei : “Sabes, tu devias ser condecorado pela tua bravura e coragem”. Ele sorriu. Eu sorri. 

 

Sim esta rua, a Rua dos Resistentes Antifascistas é, sem dúvida, uma rua com muitas memórias.

E, diga-se, ali, começam já, nos dias de hoje, a estar inscritas as memórias do presente, que vão ficar como memórias futuras – o Mercadona está a nascer. O novo potencial.

E lá longe, muito longe, ficam tantos sonhos…que se perdem nas águas do Tejo.

 

António Sousa Pereira

Agora

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Estou cansado do jogo de palavras, de sentir a cidade embrulhada num labirinto de silêncios, ruídos que afagam as palavras, e, na penumbra aniquilam as vozes, sempre que o sol começa a florir. A cidade deita-se no silêncio.

 
O jogo de palavras é um jogo secundário. Tácticas. Retóricas. Conflitualidades inúteis. Desconstrução. Reescrever a história. Ilusões.
O jogo de palavras vai para além da realidade. O jogo de palavras é tornar o presente vazio, é discutir um golo que não foi golo, um fora de jogo por 5 milímetros. O malabarismo.
O jogo de palavras é um pensamento único, ganha sempre quem melhor argumenta, não interessa o quê, nem como, o importante é refutar, humilhar o outro. Silenciar. Destruir carácter.
 
O jogo de palavras é um jogo de poder, de domínio da opinião, de controle de opinião. É uma conversa sem memória, que quer apagar a memória. Talvez por isso, apenas por isso, o jogo de palavras, é sempre o agora que conta, porque, afinal, no agora, não há passado, nem futuro. É apenas um jogo de palavras, sem visão do mundo, um alimentar de pensamento virtual, a circunstância. Animar as redes sociais. Gerar um mundo virtual. O agora.
 
O jogo de palavras é o marketing para vender e motivar o consumo. O jogo de palavras vive dos sucessos, do foco, de valorizar vitórias, cria papões, glutões, e, na verdade, ignora o pensamento que faz humanidade e a vida que floresce, quotidianamente, na palavra fraternidade.
 
O jogo de palavras sente-se numa civilização que convive serenamente, sorrindo, com grandes sorrisos, com a miséria, a fome, e, ao seu lado, diverte-se num novo riquismo balofo.
O jogo de palavras não é um diálogo, é um jogo de pensamento único, disfarçado em suculentas ambições de sobrevivência. O jogo de palavras cultiva a inveja, cria inimigos de estimação, fomenta teorias da conspiração, é um jogo de bons e maus. Estou cansado!
 
O jogo de palavras é o lodo onde sucumbe a democracia.
O jogo de palavras mata a palavra fraternidade.
Quem me cortou o sol? – interrogo-me.
 
António Sousa Pereira
 

“Sabor e Arte” - uma exposição para a história . Isana a excelência da criatividade

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Isana, artista plástica barreirense, no Dia Internacional da Mulher, promoveu um Jantar subordinado ao tema : “Sabor e Arte”, no âmbito do qual foram expostos 40 pratos de cerâmica, pintados à mão, peças únicas, através da qual a artista prestou uma homenagem a mulheres de todo o mundo

 

Uma noite de grande fraternidade. Uma noite de conversas amenas. Uma noite para sentir o sabor da arte a pulsar no coração.

As obras expostas nas mesas marcaram pela sua beleza, pela sua criatividade, expressava jogos de cores, flores, paisagens, cada uma na sua singularidade, transmitia uma grande pureza e harmonia cromática.

 

Cada prato – cada, Excelentíssimo  Senhor Prato – era, é, um poema, uma tela, um olhar de Isana sobre a vida e sobre a personalidade das mulheres que homenageou, com uma criatividade sublime.

Para escrever palavras que, para mim, definam os trabalhos que tive o prazer de observar, resumia às palavras - amor e excelência..

 

Esta exposição é uma magnifica homenagem à Mulher. Uma exposição para a história - Arte e Sabor.

Uma exposição que dignifica a cerâmica, a energia que pode brotar das mãos de um artesão apaixonado pela vida.

 

Um dia, nos anos 90, no seculo XX, Isana promoveu no Barreiro uma exposição com o tema : Sua Excelência o Azulejo. E, como referi acima, neste século XXI, a artista barreirense deu beleza ao Excelentíssimo Senhor Prato.

Um conjunto de 40 obras, únicas, que começou a criar há cerca de um ano, e cada uma delas espelha, na verdade, a dimensão ética e estética do olhar de Isana, sobre o mundo e sobre a vida.

 

Uma dimensão ética, aquela que Isana coloca em cada obra, transmitindo a sua visão do mundo, essa visão que nasce na força da sua experiência de vida, na sabedoria de quem aprendeu a fazer, fazendo, erguendo cada dia com os seus próprios braços.

Um dimensão ética que ela partilha através das palavras que escreve em cada prato, a sua interpretação da açao de cada mulher que presta homenagem, no seu contributo para construir um mundo melhor. Mulheres do Barreiro, de Portugal e do mundo, que viver a afirmar a palavra Mulher e seus direitos. É este o lado da história onde Isana se coloca.

 

As obras de Isana, também reflectem uma visão estética, na diversidade das expressões cromáticas, no jogo de expressões plásticas, entrando por diversas correntes que vão do realismo ao futurismo, ou, do naturalismo ao expressionismo abstracto. Uma exposição que encanta pelo seu jogo de cores e formas, que aquecem o olhar e levam cada obra exposta a ser “comida” com os olhos, e, pelo olhar transportadas para o coração.

 

Atrevo-me a afirmar que esta exposição – Sabor e Arte – é um ponto marcante, de grande excelência, na brilhante carreira de Isana. É uma tese de Mestrado. É um ensaio para um doutoramento. É, a forma de, aos seus 79 anos, Isana, vir dizer-nos que o tempo é a melhor escola de aprendizagem.

Esta exposição “Sabor e Arte” é, sem dúvida, um ponto de excelência na sua criatividade. E fica aqui o desafio de dar continuidade a este ciclo de exposições motivadas pela arte e pelo sabor. Foi lindo jantar com arte.

 

Senti que Isana olhava para os seus trabalhos com naturalidade, com simplicidade, sem vaidade, coma alegria a saltar no seu olhar e um sorriso de felicidade nos lábios

Senti, ali, em cada Excelentíssimo Senhor Prato, estava presente o prazer de dar cor aos seus dias, e a emoção de fazer o que gosta com paixão e amor, essa emoção que culmina na partilha. .

 

O Barreiro deve agradecer a Isana este seu magnífico trabalho de homenagem à Mulher. Mulher Poema. Mulher tela. Mulher Lutadora.

Obrigado ISANA

 

António Sousa Pereira

 

O menino de sua mãe, afagado com o olhar, beijado com o coração

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O tempo é um som de silêncio que se distancia entre um lugar de luz de onde vimos, para outro qualquer lugar, dizem de trevas, para onde não sabemos se vamos.

O tempo é esta energia que nos move, força que acalenta poemas, palavras que escrevemos em fontes de lágrimas, seiva de ternura que bebemos no tempo quando o sentimos a navegar em fontes de sonhos.

A poesia é o sentimento que faz a vida renascer para além da morte, porque com ela, também se faz a vida renascer no silêncio que se faz eternidade.

Escrevo estas palavras para partilhar, coisas que tocam a vida por dentro do pulsar do coração. Acasos.

 

Sabem, ontem, pela manhã, no encontro matinal com a vida, essa que pulsa pelas redes sociais, com alegrias tristezas, sorrisos e lágrimas, na verdade, comecei o dia com uma tristeza enorme, a brilhar no pensamento, quando li aquelas palavras, a mensagem de dor, do José Salgueiro, a comunicar aos amigos que, na noite, que ficava para trás, pelas quatro e tal, a madrugada deixou de sentir o bater do coração do seu filho João Salgueiro, e, digo-vos, este, é um daqueles momentos que vivemos intensamente, quando neles sentimos o tempo inscrever-se, um tempo que se faz silêncio ao abraçar o tempo que temos dentro de nós, aqueles instantes que se fazem memória. Inesquecíveis.

Instantes que vivemos e sentimos que pensamento toca o coração, tal com o coração que parou na noite, sentimos o tempo que vivemos beija a nossa interioridade, e, o tempo inscrito dentro de nós, fica em silêncio.

 

Sabem, quando acabei de ler as palavras do Zé Salgueiro, dei comigo encostado, no meio de um ruído de festa, em silêncio, no varandim do Restaurante Manuela Borges, a olhar com emoção, muita emoção, aqueles movimentos de carinho, ternura e afecto da Ângela Salgueiro, que com candura acariciava os cabelos do João, confortava as suas as pernas. Sentia, com o meu olhar, em silêncio, a palavra amor a fluir em gestos. Uma melodia.

O pessoal em festa divertia-se, preparava-se para o momento do corte do bolo, naquele ambiente onde a amizade e a solidariedade, pulsava nos corações, uma festa de família, que marcava a Gala da GDESSA.

E, no meio daquela festa efusiva de alegria a saltar nos sorrisos, eu, encostado ao gradeamento, deitava os meus olhos, apenas, para observar e sentir aquele quadro de ternura e paixão, do menino João Salgueiro, sentado na sua cadeira, a olhar em volta, e, a ternura, o carinho que fluía em silêncio dos olhos e das mãos de sua mãe. Mãos de veludo, afagando as suas pernas, acariciando os seus cabelos.

Eu olhava, olhava e pensava, comigo, naquele poema que sentia nascer num quadro real, ali, vivo de afectos, uma enorme vaga de amor e de festa, dentro da festa. Que lindo!

O Nuno e a Joana cortavam o bolo da GDESSA, e, de repente a Ângela caminha até junto da mesa e, com aquela delicadeza materna, transporta nas suas mãos, para as mãos do João, a doçura para alegrar os seus lábios de amor.

Observava aqueles instantes e pensava, vou escrever uma crónica sobre este momento. Este momento, feito de um tempo onde sentia a pureza da ternura, em movimentos vivos a semear afectos.

Ali, na noite, escrevia-se, com a energia do big bang, a força da palavra amor, esse amor que dá beleza à vida, essa beleza que se faz eternidade. Um poema. Sim, um poema em que eu sentia, ali, erguer-se numa escultura de Miguel Ângelo, ou um quadro de Vicent Van Gogh, onde florescia o menino de sua mãe, o sempre menino de sua mãe, afagado com o olhar e beijado com o coração.

 

Por isso, hoje, pela manhã, quando li a mensagem da partida do João, este instante que vivi, naquela noite da GDESSA, também parou nos meus nervos. Senti como o tempo e a vida nascem em poema, sempre que a vida é vivida com a palavra amor.

Partilho, com estas minhas palavras esta memória que ficou inscrita no tempo vivido, porque, afinal, é nestes momentos, únicos, que nós descobrimos como a vida, é sempre um tempo que se esvai no tempo, um silêncio, que faz de nós o que somos, por dentro das experiências, por dentro do tempo, a eternidade nasce, sempre que a vida nos faz pensar, descobrir o amor e o afecto.

Acreditem, existe, dentro dos dias, basta olhar e sentir. Eu senti, e vou guardar essa lembrança.

 

António Sousa Pereira

Do sonho da Estação Oriente» da Margem Sul ao Mercadona

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A renovação total da frota dos TCB é a principal referência da acção autárquica nesta última década, para implementar um desenvolvimento equilibrado e sustentável.

Um investimento com a marca Carlos Humberto, como, aliás, foi reconhecido pelo Primeiro- Ministro António Costa, quando da entrega simbólica dos primeiros autocarros.

 

Um dos temas que considero de grande relevância, ao longo de décadas, na vida do concelho do Barreiro, é a importância estratégica no desenvolvimento do seu território,  que foi concretizada pela dinâmica dos seus transportes municipalizados, e, igualmente, o contributo dos TCB para que possa existir uma visão polinucleada do concelho.

 

Maior e melhor investimento estratégico

 

E, por esta mesma, razão considero que o maior e melhor, talvez o único, investimento estratégico realizado, no concelho, na última década foi a renovação total da frota, fruto de uma parceria entre a autarquia, liderada na época por Carlos Humberto, CDU, e, o governo liderado por António Costa, PS.

Este é um grande exemplo de trabalho politico realizado no concelho, por uma liderança que promovia a sua acção politica para desenvolver mudanças estratégicas, com visão de futuro, dessa forma construindo um legado para os vindouros, e, não no mero “navegar à vista” ou, ao “sabor dos interesses do imediato”, vivendo e gerindo as circunstâncias.

Considero mesmo que a renovação total da frota dos TCB é a principal referência da acção autárquica nesta última década. Um investimento iniciado pela CDU, e, naturalmente, continuado pelo PS, como, aliás, foi reconhecido pelo Primeiro- Ministro António Costa, quando da entrega simbólica dos primeiros autocarros.

 

Uma dimensão regional para os TCB

 

Outro aspecto, interessante que quero sublinhar é a acção travada, ao longo de anos, pelas gestões da CDU, no sentido de alargar a área de intervenção dos TCB aos concelhos limítrofes, nomeadamente Moita, pois começaram a operar nas as freguesias da Baixa da Banheira, Vale da Amoreira e Alhos Vedros. Foi uma batalha de anos, até se alcançar as mudanças legislativas que permitiram avançar com esta dimensão de realização do serviço intermunicipal.

Recordo, a propósito do inicio deste alargamento da área dos TCB, as dificuldades que existiam, devido ao envelhecimento da frota, mas, isso, na verdade, não colocava de lado para os TCB a enorme vontade de enfrentar este desafio, porque inerente a esta nova área de acção territorial, várias  vezes escutei, das gestões CDU, que existia a intencionalidade de estudar, reflectir sobre uma nova estratégia, visando alargar a capacidade dos TCB, dando-lhe uma dimensão regional. Matéria que, registo, desapareceu da agenda.

 

Autocarros dos TCB: verdes ou amarelos?

 

Tudo isto ocorreu-me ao pensamento quando,  um destes dias escutei nas redes sociais, uma conversa, que nem liguei muito, mas acho que era sobre a cor dos autocarros dos TCB, dando-se ênfase ao facto de, com todas as mudanças registadas nos transportes na Área Metropolitana de Lisboa, onde, sabemos os transportes públicos passaram ter, como marca, a cor amarela, sublinhava-se o facto de os autocarros dos TCB manterem a sua cor verde, como se isso fosse uma coisa de grande importância para o futuro dos TCB.

Os TCB, por mim, podem ter a cor verde, amarela, ou a cor que se entender desde que a sua dimensão e capacidade de prestar um serviço de qualidade continue, como serviço público e, também, que esse serviço público pudesse crescer e alargar a outros concelhos, transformando-se numa marca de referência, intermunicipal ou regional, criadora de empregabilidade e de prestigio para o concelho, porque é uma herança, exemplar de uma serviço público ao serviço do desenvolvimento sustentável.

Pouco me interessa esse bairrismo da cor verde dos autocarros, oxalá os TCB pudessem vir a transformar-se, com outra cor, no grande serviço de transportes públicos do Arco Ribeirinho Sul, que agora está na agenda do planeamento do território.

Mas, na verdade, para isso os TCB precisavam garantir espaço operacional, de forma a ter condições de alargar as suas instalações oficinais e de parqueamento.

Ora para isto era preciso visão e estratégia, ter uma ideia do papel dos TCB, no concelho e na região. Talvez o João Pintassilgo tenha tido esse sonho. Acredito, que teve. Mas, venceu o Largo das Obras.

Enfim, esta, parece-me ser mais uma oportunidade perdida, porque, afinal. o município decidiu entregar, aos Supermercados Mercadona, os terrenos que podiam permitir a futura expansão dos TCB. Opções. É, isso, o Barreiro novo a nascer.

Sim, os TCB podem continuar de cor verde, porque, pelos vistos o sonho de dar-lhe uma outra dimensão, estão hipotecados.

 

Da Estação Oriente ao Mercadona

 

Aliás, ainda ligado a estas coisas que me ocorrem ao pensamento registo o facto de, em tempos idos, quando da discussão da TTT – Terceira Travessia do Tejo, comentar-se a possibilidade de nascer no espaço envolvente aos TCB a Estação Oriente da Margem Sul.

Enfim, hoje, o que concluo, ao viajar pelo pensamento, é que, o sonho da Estação Oriente na Margem Sul está a diluir-se na Loja Mercadona.  

Divirtam-se!

 

António Sousa Pereira

 

«Fabricado no Barreiro»: a banalidade do ano 2023

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Hoje, dia 4 de janeiro de 2024, quando fui à farmácia, surgiu, nem sei a que propósito a conversa do “fabricado no Barreiro”, e, na verdade, o que escutei foram risos e comentários – “agora tudo é fabricado no Barreiro…e, no meio da conversa, alguém acrescentava, “se isso fosse a realidade”. E de facto só dá para rir.  

José Tolentino Mendonça, numa das suas crónicas, publicada no livro «A mística do instante», recorda que a filósofa Simone Weil, trabalhou numa fábrica, e, dessa sua experiência escreveu no seu diário uma reflexão : “Que cada um no seu próprio trabalho seja um tema de contemplação”.

O Cardeal Tolentino Mendonça, refere que Simone Weil, descobriu, nessa realidade, no seu trabalho, que a contemplação, lhe estava vedada na fábrica, porque, ali, afinal, o dever número um, pelo qual todos eram compensados, ou punidos, era a velocidade da produção, monótona, maquinal, desumanizada.

Simone Weil, salientava que, como ser pensante, com recordações e fragmentos de ideias, sentia que na fábrica, a única coisa que contava era : “que o homem possa funcionar mecanicamente como peça de uma engrenagem”, e para ela, “isso representa, mais cedo ou mais tarde, a destruição do homem”.

Ocorreu-me ao pensamento este texto, quando, no passado mês de dezembro, ao abrir a minha caixa de correio, encontrei o tradicional cartão de Boas Festas da Câmara Municipal do Barreiro, e, nele, bem no centro, bem visível, para que todos pudéssemos “contemplar” lá estava “imposta” aquela célebre frase da gestão 2830.

Enfim, uma frase que que vai ficar para a história como a marca de um modelo de gestão que aposta na imagem, no culto da personalidade e vive da politica de surf, ou seja, das coisas herdadas do passado e das coisas que vão nascendo, ou privadas ou pública, tudo isto se resume à frase : Fabricado no Barreiro.

Pessoalmente, já sabia, de anos anteriores e, também, de novo este ano renovado, que afinal, agora, coisa que nunca aconteceu nas últimas décadas pode dizer-se: “Barreiro - aqui há Natal”.

Assim, para além do Boletim da comunicação autárquica “Jornal  Aqui Barreiro”, convém não esquecer, e, portanto acrescentar ao  “Aqui há Natal”, coisa que sabemos é inovadora, também agora, o Natal é “Fabricado no Barreiro”.

 

Eu que sou velhote, sempre associei o Natal a palavras como fraternidade, amor, solidariedade, paz, boa vontade, família, amizade, ternura, carinho, esperança, entre outras, nuca senti o Natal com essa dimensão intelectual socializante do “Fabricado no Barreiro”. Ignorância minha.

Todos sabemos, ou muitos sabem, e conhecem a tal célebre frase da CUF, a marca de Alfredo da Silva :“O que o país não tem a CUF cria”, desconhecia, e, esta é para mim é a grande novidade que fica a marcar o ano 2023, afinal, o Natal, essa festa universal, é “fabricado no Barreiro”.

 

Na verdade, já nas Festas do Barreiro do ano 2023, esse slogan, da gestão socialista, foi imposto como o lema daquele evento que, na verdade, largamente transcende qualquer gestão autárquica, pois é um evento com mais de 300 anos.

O «Fabricado no Barreiro» é, na verdade, um slogan fantasioso, desligado da realidade, é a mera expressão de um pseudo “narcisismo local”, é um slogan vazio, que pretensiosamente procura fazer, eventualmente,  a ponte entre a cultura empresarial e industrial dos ferroviários, da CUF, com a actualidade, mas não tem qualquer conteúdo, porque não tem qualquer projecto, nem se vislumbra uma estratégia subjancente.

 

Aliás, a única “ideia” que emerge deste slogan deve é o querer fazer cidade e cidadania, com base no conceito de “produçãol”, como quem considera que “produzir cidade” é “arquitectar cidade”, é “fabricar cidade”, é olhar para o território e zás, a cidade é isto, que uns ilustres pensadores germinaram, ali, para o mausoléu do Largo das Obras, de tal forma que, agora, até já se fala “em fabricar o Barreiro novo”.

 

Quando se afirma em “fabricar um Barreiro novo” é porque se considera que há outro Barreiro «o velho que tem que ser desmantelado. E pessoalmente gostava de conhecer esse Barreiro Novo. O que vejo é nascer, a todo o vapor, a cidade do betão.

 

Esse, Barreiro Novo é algo que ninguém conhece, que está no segredo dos gabinetes dos “pensadores da cidade”, os fabricantes, sem a participação dos cidadãos, é, sem dúvida essa a cultura do “fabriquismo”. Eles é que sabem.   

O fabriquismo é uma ideologia, sem ideologia, é marketing de vazio, sem ideias

Fabricado no Barreiro é uma espécie de Barreiro  2830, que quer produzir um “orgulho local”, vazio de identidade e de memória.

O fabriquismo o que pretende é, regar geral, dizer que para trás tudo esteve mal, para depois erguer a bandeira – “tá melhor có que estava”. É isto o fabriquismo.

O fabriquismo é a história de milhões, muitos milhões, ou do PRR, ou de privados, fruto das circunstâncias, que nada tem a ver com um projecto de cidade.

O fabriquismo está a fabricar um Barreiro Novo que só se pensa no centro, a 15 minutos de Lisboa, e é incapaz de se pensar como uma centralidade da Península de Setúbal e da AML. Daí o silêncio sobre a localização do aeroporto, ou o salta pocinhas sobre a Terceira Travessia do Tejo. Ou a ausência de uma séria reivindicação de construção da ligação da ponhte Barreiro - Seixal. Ou até o pensar conceitos de cidade-concelho, polinuclear, que vai para além, muito para além da cosmética de rotundas e de pseudo recuperações de antigas zonas ferroviárias, ou de bairros sociais.

 

Em suma, o slogan da gestão 2830 – Fabricado no Barreiro – foi, para mim, a banalidade do ano 2023, mas é uma banalidade que espelha as politicas de surf, que vão gerindo a cidade de acordo com os acontecimentos, sem outra visão que não seja a cidade do IMIé .

 

Se, para mim, este slogan estava morto, ou era apenas um slogan, abraçado pela gestão 2830, agora ao dar-lhe a dimensão natalícia, ficou reduzido a isso mesmo, é uma banalidade, porque espelha a dimensão do fabriquismo que tudo quer municipalizar.  

 

Afirmar : Fabricado no Barreiro é como afirmar a cultura do «fabriquismo», cuja essência visa a desconstrução da memória, negar o legado de outras gerações, forjar a ideia que um “mundo novo” está a nascer - “um novo Barreiro”.

 

Hoje, dia 4 de janeiro de 2024, quando fui à farmácia, surgiu, nem sei a que propósito a conversa do “fabricado no Barreiro”, e, na verdade, o que escutei foram risos e comentários – “agora tudo é fabricado no Barreiro, e, no meio da conversa, alguém acrescentava, “se isso fosse a realidade”.

E, de facto, isto só dá para rir. Vão lá dizer o contrário aos criadores.

 

O fabriquismo não é um pensamento de fazer cidade e cidadania é apenas um modelo de marketing político, de gestão de imagem, e, cuja finalidade é promover visões e ilusões para manter o poder pelo poder.

Como escrevi, noutro texto, o fabriquismo é a promoção de um orgulhismo patético, que não tem valores, nem princípios, é a-ideológico, e, apenas quer contribuir para estimular o populismo.
Do “Fabricado no Barreiro – produzimos orgulho local” ao “Barreiro – aqui há Natal – Fabricado no Barreiro”, reside a banalidade de um barreirismo sem alma.

Divirtam-se.

 

António Sousa Pereira

Barreiro – Do «império industrial» ao «império do betão»

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Hoje, no começo deste ano de Dois Mil e Vinte e Quatro, fui dar o meu passeio matinal, pelo Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita, lá estavam os resíduos da festa, essa festa que saúda efusivamente a passagem do tempo. Confetes. Notas de Euros. Garrafas. A festa.

 

Fui caminhando ao longo da margem, um «Bom Dia», aqui, um «Bom Ano», acolá. Um aperto de mão. Sempre presente, o novo tempo anunciado.

Junto à muralha, perto do Clube Naval do Barreiro, escutei as ondas do Tejo a beijar aquela franja de areal. Olhei Lisboa. É belo sentir os sons da paisagem. Fechar os olhos, sentindo a ondulação bater, com ternura, nos neurónios. Todas as paisagens têm dentro de si sons que transportamos.    

O movimento da sonoridade das ondas foi, subitamente, quebrado pelo som das 11 horas, que rompeu a luz do sol, vindo da Igreja de Nª Srª do Rosário, a cantar – “Avé Maria”. Sorri.

Olhei a Caldeira da Braamcamp, ali ao abandono, já lá vão alguns anos, desde 2017, afinal, desde que a gestão socialista, que está apostada na construção do «Império de Betão», decidiu cancelar os investimentos de fundos europeus, que estavam programados e aprovados, e, pelos suas ilusões improváveis ( só porque o PDM, ultrapassado o previa) optou por desviar esses investimento para outros objectivos, enfim, sonhava construir naquela zona ribeirinha a dita «Veneza do Tejo».  Estórias. Um território que é património municipal ao total abandono.  

Neste meu deambular pela paisagem, olho para o fundo do Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita, observo os territórios da antiga CUF, recordo os meus dias a trabalhar na fábrica de Zinco Metálico. Nesse tempo, já com indústrias em decadência, os elefantes brancos que por ali proliferavam, mas, o Barreiro ainda tinha dentro das suas vivências quotidianas a energia do «Império Industrial», uma realidade económica e social que lhe dava vida própria, que se misturava com as suas zonas dormitório, nascidas na expansão urbana que começou nos anos 70, com a fuga dos quartos de Lisboa, para andares no Barreiro. De tal forma, esta era uma cidade viva e activa, que nos anos 90, o Barreiro era um dos concelhos, do país, com maior número de jovens licenciados.

Neste começo de ano de Dois Mil e Vinte Quatro, olho a paisagem, e, sinto que afinal, o Barreiro do «Império industrial», hoje, está sendo «fabricado» para se transformar num «Império do betão».

É isso que faz pensar, e sentir, a frase da moda: «O que o Barreiro era, e o que o Barreiro é…”. Coisas.

Divirtam-se. Bom Ano Novo.

 

António Sousa Pereira

 

Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita, para quando a identificação?

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Numa proposta, aprovada por unanimidade, na Assembleia Municipal do Barreiro, foi aceite a recomendação de ser atribuído ao Passeio Ribeirinho do Rio Tejo, a marginal da Avenida Bento Gonçalves a designação - Passeio Ribeirinho do Tejo Augusto Cabrita.
 

Recorde-se que a proposta foi apresentada, por Emidio Xavier, no ano de 1997, no tempo da gestão CDU de Pedro Canário, a dita proposta foi subscrita pela bancada dos deputados do Partido Socialista, na Assembleia Municipal do Barreiro, sendo aprovada por unanimidade.
Nestes 26 anos já passados, aquela artéria foi submetida a diversas intervenções, quando por ali passemos recordamos o que aquilo era e o que aquilo é, no que se refere à ligação da cidade ao rio, do fruir da paisagem, do sentir a beleza daquela que sempre foi conhecida como a mais bela »varanda do Tejo».
Na gestão de Carlos Humberto, foram realizados dos mais importantes melhoramentos naquele espaço público, com intervenção da APL e com uma visão estética que, quem percorrer com o olhar, descobre os pormenores que, sem dúvida, permitem sentir o rigor da intervenção de arquitectos paisagistas.

Mas, aqui e agora, passados 26 anos, depois de várias gestões autárquicas, quer PS, quer CDU, uma coisa não mudou. Várias vezes já o escrevi, por essa razão, de novo escrevo e deixo o registo.
Neste ano que está findar, que se celebrou o centenário do nascimento do Mestre Augusto Cabrita, apelo a quem de direito, que sejam colocadas as placas toponímicas que permitam a quem visita aquele passeio ribeirinho obter a informação, nunca ali identificada – Passeio Ribeirinho Augusto Cabrita.
Obrigado!

António Sousa Pereira

O meu país é o Hotel Califórnia

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O meu país é o Hotel Califórnia, cada cidade é um corredor por onde todos caminham em gestos de futuro por sonhar, sem caminho para andar, quando todos sabemos que a vida só se faz caminhando. Escutam-se os gritos dos profetas, em silêncio. As luzes iluminam a noite, em penumbras, que convidam a ficar, escondido, na mansidão do luar. Os dias são pintados de escuridão que abre brechas no sol.

O meu país é o Hotel Califórnia, aqui, uns são materialistas sonham com um bom carro, com a vivenda, ou, porque não, um barco e uma boa motorizada. Nada melhor que um bom espaço para beber um copo, conversar e sentir os nervos explodir para além da rotina que trucida os dias. Uns gostam de dançar. Outros gostam de beber as utopias. Entre gritos e copos nascem ideias deslumbrantes. Projectos que, sonham, isto vai valer milhões. Negócios. Mercados. Consumo. Tudo perfeito sem surpresas.

O meu país é o Hotel Califórnia. Quem foi preso? Interroga-se no café. São todos iguais! Banaliza-se. Escutam-se alibis. Em todos os tempos, os alibis são iguais. Repetem-se. Todos descansam se existir um culpado. O importante é encontrar um culpado. Entretanto, convém uma distração provisória.  Pode ser o Benfica – Sporting. A malta diverte-se, inventa canções, anedotas. Uma galhofa. É imensa a criatividade para criar conversas que banalizam a vida real, essa que se esconde por de trás dos milhões. Eles é que sabem viver. A indiferença flui entre gargalhadas.

 

O meu país é o Hotel Califórnia, pela manhã uns acordam rumo à outra margem da vida real, para juntar tostões que possam alimentar os filhos, pagar as rendas de casas, e a prestação do carro ou do cartão visa. A dita justiça, essa que se perde ao longo do tempo, prende mais um, os jornais contam com manchetes para a primeira página, os telejornais garantem audiências. Lá vão os jornalistas para os directos, à porta de casa, no Tribunal. Tudo normaliza. Uns saem com caução, outros com pulseira electrónica. Aguardemos. Até um qualquer dia, com outro qualquer caso. A história repete-se.

O meu país é o Hotel Califórnia, onde o silêncio se transforma em voz da esperança. Uma terra de banquetes. Bons vinhos. Saborosos e divinos sabores. Existe sempre um cartanito que compra a vida.

O meu país é o Hotel Califórina, onde há vidas que se esvaem em nervos derramados nas lutas diárias, entre as filas de trânsito, onde, por vezes, uma rotunda dá mais 15 minutos de vida, dizem. Outros desesperam nas filas de autocarro ou acotovelam-se nos barcos, entre as duas margens. Há mesmo quem desespere nas urgências do Hospital, onde a ansiedade cresce, enquanto se aguarda que alguém dê atenção ao pai, ou mãe, envelhecidos que aguardam uma análise, um rx, e, talvez possam sair passadas horas, para regressar a casa e dias depois voltar, o cansaço repete-se, de forma ingrata. A vida é sempre ingrata! A cidade envelhece! O país envelhece! Os avós sempre são uma ajuda para levar os filhos à escola ou creche, ainda bem, logo hoje que há greve dos professores.

 

O meu país é o Hotel Califórnia, por vezes, como somos uma democracia há eleições e, sempre, com rapidez e eficácia, as sondagens divulgam que tudo vai ficar, mais ou menos na mesma. Uns dizem que a vitória é para esquerda. Outros anunciam que a direita vai vencer. Os bons e os maus. Depois há os muito maus, e também os muito bons. Chove. Faz sol. Anoitece. Nasce o dia. Uns anunciam que vai descer o IRS. O IUC que estava anunciado vai cair. O orçamento tem folga. A divida pública, está controlada, e, lá a europa, piscam o olho, dizendo que está ainda um pouco acima da barreira dos 100. É preciso baixar. Está uma vela acesa na porta de cada cidade à espera do milagre das verbas do PRR.

Na minha cidade, onde tudo é fabricado, todos sabemos que está tudo melhor cóqueestava. O imobiliário domina a esperança, nesse sonho de jardins e quimeras que nascem a quinze minutos de Lisboa, uma nova massa critica anunciada. A cidade que se afirma como um corredor de passagem para a outra margem, um hotel, sem regresso. Uma cidade que não olha para dentro de si, porque apenas quer ser cidade-espelho da outra margem.

 

O meu país é o Hotel Califórnia, escrevo enquanto, os meus nervos sussurram-me ao ouvido, em eco a palavra Abril, em miragens, enquanto escuto  esse sons que emergem da memória dos anos 70. O Hotel Califórnia, um deslumbramento dentro do olhar, esse lugar  onde, um dia, sonhamos futuro, talvez construir a cidade da utopia, marcada pela diferenciação, com orgulho na memória – que, nos dias de hoje, se quer apagada. Afinal agora nasce tudo igual, fabricado, em cadeias de consumo. Escuto este som, que entra nos olhos, pelo outro lado do silêncio, como se fosse uma centelha que ilumina o som da voz que dorme dentro de mim, um silêncio que escuto quando falo sozinho. É nesses instantes que regresso à Rua Estreita, a azinhaga da minha infância, e descubro o valor da escuridão do silêncio. Hoje, quando ao escutar os timbres da guitarra, a saltar nos dedos, numa sonoridade que abria brechas de palavras nos meus lábios, sinto que viajo pelo silêncio do tempo, talvez pelo misticismo da Arrábida, onde o mar beija a terra e o céu encontra o sol e o luar. Calo-me na solidão. Medito. Adormeço no meu país – o Hotel Califórnia.

 

António Sousa Pereira

16 de Novembro de 2023

O cachimbo que se faz ternura e saudade.

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Pela manhã, estava na Biblioteca da SFAL, numa reunião para conversar, com um pequeno grupo de barreirenses, todos, como eu, vindos de outros lados, homens e mulheres que, nesta terra, aprenderam a sonhar utopias, feitas de esperança, talvez certezas, talvez ilusões, sendo, afinal, tudo isso que, sempre, sempre, dá beleza ao futuro. Esse futuro, em tempos idos, foi feito de cânticos de rouxinóis de asas cortadas, de palavras de gritos de dor forjadas por trás daquela janela, grades da solidão. É esse tempo que queremos viver, recordar, para que a memória não caia no esquecimento, por isso, queremos festejar os 50 anos do 25 Abril. Um tempo que está inscrito na memória de um tempo que se fez futuro.
Ah é verdade, como o Mestre gostava de colocar o cravo de Abril a beijar o seu coração.
 
Era meio dia e dezasseis minutos, deste dia catorze de novembro do ano Dois Mil e Vinte e três. Recebi uma mensagem, que gritava, por dentro da dor, palavras escritas com uma ternura que sentia, inscrita, no silêncio dos sons humedecidos: “Olá Sousa. Espero-te bem. A avó Maria Manuela faleceu aos 87 anos”. Comunicava meu amigo Augusto António Cabrita, neto da minha querida Manuela Cabrita.
 
Fiquei triste. Não triste de uma tristeza que desliza nos olhos. Fiquei triste daquela tristeza, única, que não tem dor, ou lágrimas, que se escrevam em palavras, nem tem palavras para soletrar o que nasce a florir dentro do coração. Um silêncio que não tem nada, não tem mais nada, senão aquela imensa e súbita saudade que emerge do tempo, um misto de recordações e sorrisos que invadem os olhos, sons que vagueiam por dentro das memórias. Uma ruptura com instantes guardados no confim de nós mesmos, coisas que só sente, quem sente o tempo dentro de si, partilhado, com os outros, porque a vida só faz sentido com outros a nosso lado.
 
Esses tempos que sentimos partir para um infinito a voar numa ausência que rasga os ossos, invade os olhos, explode no corpo e fica semeada no coração, esse lugar onde o tempo é eternidade. O coração é um relógio que pulsa, ao ritmo do tempo e da vida.
Recordo a minha querida Manuela, nos dias que decidi publicar o livro – “Augusto Cabrita- sobre o ritmo e sobre a vida”, como ela, com um sorriso e uma sensibilidade cristalina, abriu a porta de sua casa, de par em par, as gavetas de todas as memórias, para eu sentir, com os meus olhos o tesouro do seu companheiro de todas as horas e todas as lutas, o Mestre Augusto Cabrita.
 
Recordo aqueles dias que seus olhos eram papoilas, abertas ao sol, onde estava escrito um poema com a palavra Luisa.
Recordo a sua energia e verticalidade, estórias que contou, na sala a olhar o Tejo, naquela mesa redonda, onde tantas vezes conversei com o Mestre e onde o meu livro começou a nascer numa prancha onde o Mestre inscreveu o seu formato.
 
Recordo as muitas vezes, quando nos encontramos na rua, no parque, em eventos, momentos em que seu olhar sorria, cúmplice, com emoções escritas num sorriso a lembrar Monalisa. Discreto.
Recordo o sonho que tinha, entre outros sonhos, sonhados, de ver nascer o livro com as fotografias da India, onde toda a beleza estética da obra do Mestre emerge com espectacularidade, energia, humanismo e harmonia. Estão, agora, patentes na exposição do centenário no AMAC.
 
Recordo o afecto com falava do Mestre, o seu companheiro, ela que era o outro lado da sombra do Mestre, o pilar do seu silêncio. Comentava o amor e paixão que tinha pelas suas artes – fotografia, cinema, música. Na realidade a arte de Augusto Cabrita é poema que está semeado nos seus neurónios, vagueia nos seus nervos, floresce no seu sangue e emerge para vida pela força e sabedoria do seu olhar – luz, contraluz, sombra, mística, quimera e sonho.
Ele trabalhava por amor, só por amor, com indiferença ao sentido material da vida, comentava Maria Manuela, em palavras – “a sua vida foi construída pelo que deu aos outros”.
 
Tantas recordações de instantes partilhados com Manuela Cabrita. Uma mulher de grande nobreza, verticalidade. Uma mulher pura, simples, cuja voz mantinha uma sonoridade, onde se escutava um timbre oriundo do Algarve. A nossa província comum, eu do sotavento, ela do barlavento. Amava o Barreiro. Tinha o Barreiro no coração.
 
Um dia, num fim de tarde, enquanto conversávamos e olhávamos o Tejo, daquela janela onde está inscrito o mais belo prémio do começo de um dia, ela, com aquele sorriso infantil e cativante, que florescia do seu rosto branco de luar, em lábios que sorriam na textura das palavras, voltou-se para mim e disse: “Sousa Pereira, quero ter uma recordação sua”.
Olhei surpreendido e interroguei: “Que recordação lhe posso dar?”.
“O seu cachimbo”, disse.
E o meu cachimbo, que estava sobre a mesa, passou para as mãos da minha amiga Manuela Cabrita, que pegou nele e acariciou-o com um sorriso, feliz. Eu, também, sorri feliz. E pensei que se existe felicidade são instantes como estes que fazem na memória nascer a palavra saudade.
Recordei hoje este instante. O cachimbo que se fez recordação e ternura.
 
Ao fim da tarde, fui à Igreja de Nª Srª do Rosário, aquele templo Camarro, de orações e despedidas, Parei em silêncio e rezei um adeus daqueles que sentimos que é um até sempre, que se faz melodia que se dilui, dilui, dilui…
Imaginei-a, sorridente ao lado do Mestre, divertidos, com o meu cachimbo a lançar nuvens brancas no céu, semeando flocos de algodão, ali, por cima das ondas do Tejo, onde, como diz o poeta, está tudo o que lá não está, e, as gaivotas descansam as asas na eternidade.
 
António Sousa Pereira

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